terça-feira, 26 de março de 2013

Um Ano em Rondônia (parte 5/5)

...continuação
O TEMPO LIVRE

Nem só de trabalho se vivia por aquelas bandas de Rondônia. Na vila da empresa, cumpríamos o horário comercial, mas as opções de lazer eram mínimas. Mesmo no setor dos funcionários de nível superior das duas vilas artificiais da empresa.
Jogávamos vôlei ou futebol nas quadras de areia, aproveitávamos as piscinas, frequentávamos o clube social, comparecíamos aos monótonos e repetitivos churrascos, invariavelmente com os mesmos rostos de sempre, conversando os mesmos assuntos de sempre, bebendo bastante como sempre. O assanhamento brotava quando alguém de fora, parente ou não, aparecia para oxigenar o ambiente, sobretudo se mulher disponível e um pouquinho atraente. Sim, pois, naquela colônia penal, o nível de exigências caía com o passar do tempo.

Quando juntavam vários geólogos, bebíamos todas e mais um pouco, enquanto debatíamos as origens da cassiterita e as mais apropriadas técnicas de prospecção mineral. O álcool e o assunto nos enlevavam. Discutíamos de maneira tão exaltada que assustávamos os das mesas vizinhas. Ou então jogávamos sinuca, tênis de mesa, víamos filmes pelo videocassete, então uma novidade, sobretudo no interior de Rondônia.

Num dado dia livre eu e mais três colegas decidimos sumir das vilas artificiais. Subimos na caminhonete e pegamos a estrada de saída rumo a BR-364. Não havia grandes opções. Ou parávamos nos bares de beira de estrada para encher a cara de bebida ruim na companhia de putas feias, sujas e banguelas ou seguíamos até a cidade de Ariquemes, algumas horas dali por estradas de terra. Por exclusão escolhemos a segunda opção.

Embora sede de município, nada se podia esperar de Ariquemes além de miséria, poeira, construções de madeira, aspecto de terra sem lei, olhares e comportamentos suspeitos. Os cinco anos de emancipação não foram suficientes para lhe dar aparência de cidade. O local estava mais para clareira na floresta, parca e desordenadamente ocupada. Mas, surpreendentemente, foi lá que pela primeira vez comi em restaurante de comida japonesa.

Assessorado pelo técnico de mineração paraense, um nissei, resolvemos enfrentar a parada em instalações precárias e pouco confiáveis, de madeira obviamente. Porém a comida compensou. Enchemos a barriga de variedades em grande quantidade e de boa qualidade.

Saímos à tarde do restaurante meio sem rumo. Decidimos dar a última volta pelo emaranhado de ruas empoeiradas de Ariquemes. Eu estava no volante e na ruazinha esburacada, caminhando pelo rascunho de calçada, uma morena, cabelos pretos e longos, roupas compatíveis com o calor que massacrava. Fui notado por olhares insinuantes. Sinalizei que queria algo mais concreto. Não senti recusas. Larguei meus colegas no primeiro bar que apareceu e voltei para resgatá-la do sol forte.

Subiu na cabine e nos refugiamos nos arredores da cidadezinha, em local sem alma humana por perto. Não houve tempo para preâmbulos e apresentações. Usamos e abusamos na cabine e na carroceria, mesmo debaixo daquele sol de rachar mamona. E nos lambuzamos até dizer chega.

Apesar da facilidade e falta de resistência, não me pareceu puta, não no sentido profissional da palavra. Pau para toda obra na região provavelmente, mas não puta. Não me pediu nada em troca e nem lhe oferecia nada.

Só sei que o fato rendeu histórias nas duas vilas da empresa por muito tempo. Meus colegas de aventuras jamais iriam deixar por menos. Ainda mais que os odores característicos, decorrentes dos acasalamentos na caminhonete, marcaram toda a viagem de volta.


ELAS

Muitas mulheres moravam na segunda vila artificial. Além das esposas e filhas dos funcionários, de quem mantínhamos a distância regulamentar, havia as que também trabalhavam na empresa. Eram professoras, médicas, enfermeiras, trabalhadoras de escritório. Paranaenses, paraenses e maranhenses compunham a maioria das professoras, a função em maior número por ali. Como todo o respeito a elas e, principalmente, ao estado de perigo que a maioria dos homens vivia, se juntássemos todas não montaríamos uma sequer. Conservadoras, carolas, reprimidas, restritas intelectualmente, as colegas em nada amenizavam a dramática a situação dos solteiros. E, paradoxalmente, loucas para casar.

Ocorria que, acidentalmente, permanecesse apenas uma delas na sala de jogos do clube entre um ou mais homens. Assim que a dita cuja se apercebia, se levantava subitamente, se apressando no caminho da porta. À minha pergunta do motivo daquele pânico, respondeu: “uma mulher não pode ficar sozinha com outro homem”. Eu não sabia se ria ou chorava. Não entendíamos como uma mulher de vinte e poucos anos, saída do interior e disposta a ensinar em escola no meio da floresta amazônica, a milhares de quilômetros de casa, obcecada por casamento, pudesse se comportar de maneira tão medieval. Ao não ficarem sozinhas entre homens, porém, gostavam de se aproximar e conversar assuntos insípidos e sonolentos.

O consumo contínuo e excessivo de álcool, o afastamento da vida urbana, a solidão, a carência afetiva, entre outros problemas, atingiam de maneira intensa e diversa cada um dali. O engenheiro civil, carioca, além de beber bastante, vivia com frequentes dores no estômago e no intestino. Uma das professoras, maranhense, oportunista, confortava-o nas horas mais delicadas. Em pouco tempo começaram a namorar. Ela não largava do pé dele, envolvendo-o nas próprias teias. Em pouco tempo, o coitado já não respirava sem a autorização dela. Todos percebiam que o que os unia era a profunda carência decorrente do confinamento forçado naquela vila da transnacional. Logo surgiram alianças nas mãos direitas do casal. E começaram a planejar casamento.

Notei a arrumadeira dos quartos. Baixinha, substanciosa, morena, olhar perigoso. Em condições normais de temperatura e pressão, provavelmente não a consideraria. A situação, porém, estava grave. Insinuei minhas intenções. Ela não disse nem sim nem não. Peguei-a no final do expediente e fomos a uma estradinha local, estreita, com movimento zero, ainda mais ao anoitecer. Deixamos as burocracias de lado e partimos direto ao ponto. Saímos outras vezes. Optávamos ora pela cabine da caminhonete ora pela carroceria, mais ventilada e espaçosa.

E havia a famosa enfermeira do ambulatório. Magra, alta, tipo indígena, rosto gasto e sem beleza, jeito para lá de oferecido, corria fama entre os funcionários. Pelos indícios, jamais negara carinhos a quem solicitasse. Nunca descobri o motivo do número 2000 após o nome dela. Muitos garantiam que derivava da quantidade de clientes atendidos intimamente.

Num final de projeto, enquanto elaborávamos relatórios, cresceu a demanda por desenhistas para a confecção de mapas e perfis. A equipe fixa da vila principal não dava conta do recado e a empresa recrutou mais recursos na sede do Rio de Janeiro.

Entre os desenhistas estava uma balzaquiana, de estatura média, corpo suculento, sorriso sempre presente, charme à flor da pele. Não sei se pelo isolamento na colônia penal ou pela carência incurável da idade, mas logo começamos a babar pela desenhista. Dizia ser separada, com filhos, independente e mostrava olhares para lá de insinuantes. Virou o assunto e o desejo da maioria dos solteiros. E talvez dos casados também.

Minhas visitas ao departamento de desenhos aumentaram e algo sinalizava que ela tinha ido com minha cara. Sorrisos, olhares, movimentos de corpo, balançar dos cabelos volumosos me deixavam ainda mais empolgado. Devia dar o bote antes que alguém o fizesse.

Num sábado à noite, a empresa organizou a festa do Havaí. Ninguém podia perder e lá estava eu no clube da vila principal. E a desenhista também. Trocamos olhares e logo tratei de marcar presença e terreno. A atração transbordava pelos poros de ambos.

Em pouco tempo nos agarrávamos no canto do salão. A festa ficou pequena e muitos eram os olhares curiosos. Levei a donzela à minha suíte na segunda vila, quase uma hora por estrada de chão, ainda mais à noite e com umas na cabeça.

A empresa não permitia que funcionários solteiros do sexo oposto dormissem ou permanecerem no mesmo quarto sob quaisquer circunstâncias. Ainda mais naquelas condições de pura excitação e terceiras intenções. Mandei às favas o regulamento hipócrita dos estrangeiros. E a noite foi curta. Antes do café da manhã do domingo, ela saiu e tentamos disfarçar o indisfarçável. Ainda ficamos juntos em outras noites.

Mas tive que ficar fora por duas semanas, no acampamento do projeto de campo. Quando voltei, a carioca já havia retornado ao Rio de Janeiro. Fizeram fila para se aninhar com ela. Poucos os que não conseguiram. A desenhista serviu a quase todos. Na verdade, não se sabe quem serviu a quem. Ambos os lados aproveitaram e se deliciaram.

Certa noite, alguns amigos do gerente administrativo estavam em visita pela segunda vila. Entre eles, uma falsa loira, trintona, atraente, simpática, comunicativa. Era candidata à vereadora em Ariquemes pelo partido oficial da ditadura. Apesar de casada, não trouxera o marido a tiracolo e parecia disposta a agradar os eleitores da melhor maneira. Trocamos olhares e começamos a conversar animadamente. Ambos se interessaram pelos temas políticos, mas logo percebi que deveria evitá-los. A nobre candidata recitava lemas fascistas sobre o Brasil e os brasileiros, sobretudo no que se refere à situação do campo, na qual demonstrava ser herdeira de teses escravistas. Além de minhas opiniões se situarem a cento e oitenta graus daquilo, me atraí mais por outras posições dela, que não as políticas. Em meio ao discurso para lá de reacionário, a aspirante à política exalava charme enquanto abria os lábios, movimentava o corpo, mexia nos cabelos, me lançava olhares cheios de segundas intenções. Até rolou clima para, quem sabe, mais tarde, esquentar a noite em local mais discreto.

Não me permiti, porém, tirar os pés do chão, temendo aonde me meteria. Como latifundiária, ligada à pior corja de invasores de terras, grileiros, pistoleiros, policiais e juízes corruptos, criminosos em geral, aquelas atitudes fascistas não se restringiam ao discurso eleitoral. A beldade à minha frente pertencia literalmente à classe que usava e abusava da violência para manter e ampliar o poderio econômico. Quanto mais ela se abria, mais me conscientizava que, caso prosseguisse, me enroscaria em teias podres, das quais não sairia ileso. Decidi recuar, esfriar a quentura, inventar qualquer desculpa e pular fora. Ela nem percebeu, ou fingiu não perceber.

Claro que depois me bateu arrependimento ou, no mínimo, dúvidas. Ainda mais vivendo naquela estiagem crônica de mulheres. Porém, como um amigo costumava afirmar: “Nessas horas, é melhor não”. Foi uma pena, mas saí vivo e sem escoriações.


O FINAL

Ainda não completara um ano de atuação nos projetos de prospecção mineral da transnacional em Rondônia e a chapa já esquentara. O péssimo relacionamento com o gerente ameba, o isolamento social, a vida vazia e sem perspectivas, que não fossem me alcoolizar e me amarrar àquelas mulheres pavorosas, tornaram minha permanência insustentável.

Troquei ideias com outro geólogo também descontente e não vimos luz no fim do túnel. De qualquer maneira, decidimos tentar a última cartada. Frente às incontáveis barbaridades cometidas pelo gerente, unanimemente repudiadas, dos peões aos geólogos, escrevemos longa carta ao diretor de mineração da empresa, então lotado no Rio de Janeiro. Expusemos detalhadamente, item por item, cada ato de incompetência técnica e administrativa cometida pelo sujeito, seguidas das providenciais propostas de solução. Escolhemos uma noite tranquila para datilografá-las nas máquinas de escrever do escritório da vila principal. Não esquecemos o papel-carbono a fim de ficarmos com a cópia fiel dos textos. Lemos e relemos dezenas de vezes. Ponderamos isso e aquilo. Além dos riscos que corríamos com a contundência das afirmações, não queríamos passar por levianos ou mentirosos. Tudo que escrevíamos ali deveria ser passível de imediata comprovação. Enviamos finalmente ambas as denúncias no primeiro malote. E só aguardando o estouro.

E a reação veio em poucos dias. Fui sumariamente demitido sem maiores explicações. Meu colega ainda teve semanas para respirar antes da bordoada. Em ambos os casos, a transnacional nem sequer expôs os motivos ou comentários a respeito do conteúdo das denuncias que escrevêramos. Jamais tive notícias do tal diretor. Não nos surpreendeu o fato do gerente ameba estar muito solidamente atado à cúpula estrangeira. Sabíamos que não teríamos força. As cartas serviram mais para desabafar e tirar o peso da consciência. Ninguém poderia nos acusar de indiferença ou ausência de iniciativa diante do caos pelo qual passavam os projetos e da insatisfação da maioria dos funcionários.

Me despedi de todos. A maioria me elogiou pela ousadia. Outros enfiaram a cabeça no buraco e me evitaram, temendo se contagiar pelo profissionalismo. Me senti aliviado pela melhor decisão tomada. E sairia da colônia penal da transnacional. Nada contra as maravilhas da floresta amazônica e os povos originais que nela habitam, mas sim pelos crimes que os estrangeiros cometiam impunemente à natureza e aos seres humanos que lá viviam e trabalhavam.

Assinei o que tinha que assinar e voei dali o mais rápido possível. Nem precisei ir ao Rio para sacar meus direitos. Em São Paulo mesmo consegui tudo o que precisava.

Reconquistara minha vida no final de 1982 depois de quase um ano confinado.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Um Ano em Rondônia (parte 4/5)

...continuação
O GARIMPO

A maioria dos peões que trabalhavam na empresa não tinha maiores raízes ou compromissos. Normalmente de outros estados, sobretudo Maranhão e Piauí, possuíam mulheres e filhos a milhares de quilômetros de distância. Agiam conforme o vento. Na baixa dos rios, muitos costumavam pedir demissão para tentar a sorte nos garimpos de ouro no rio Madeira. Retornavam a procurar emprego nas mineradoras assim que o rio começava a encher.

O rio Madeira contava com garimpo mecanizado em função do ouro se encontrar nos cascalhos do fundo do leito. Postadas sobre as águas, balsas cobertas abrigavam bombas de sucção, bateias, equipamento completo. Longas tubulações de borracha eram levadas da balsa até o fundo do rio e, através das máquinas a diesel, o cascalho era sugado para cima. Um garimpeiro comandava tudo na superfície enquanto outro permanecia no fundo dirigindo a sucção, respirando através de um segundo cano que trazia o ar puro de cima.

O garimpeiro de cima concentrava o cascalho na bateia e fazia análises prévias da qualidade do material coletado. Acontecia de o garimpeiro de cima encontrar muito ouro na bateia e não desejar dividir com o sócio de baixo. Ou ambos possuírem mágoas passadas mal resolvidas. Permanecendo submerso durante horas, o garimpeiro de baixo se encontrava em situação para lá de frágil, inteiramente nas mãos do sócio da superfície. E eis que esse indivíduo, o de cima da balsa, decidia resolver as pendências na base do curto e grosso. Bastava conectar o tudo de entrada de ar do sócio de baixo no escapamento da bomba de sucção. O garimpeiro submerso inalaria combustível queimado em vez de ar puro. Antes que pudesse se defender ou subir à superfície, a fumaça lhe encheria os pulmões e o apagaria em segundos.

Em atividade recheada de casos fatais devido às precárias condições de trabalho, a versão oficial de mais um “acidente” não surpreenderia ninguém. E a maioria acreditava. Ou fingia acreditar. Segundo os peões com quem conversei, tornavam-se frequentes ocorrências desse tipo e nada acontecia. Tudo se mantinha na mesma. Afinal, era um a menos para dividir o ouro dos fundos do rio Madeira.

Meu primeiro parceiro de exploração nas trilhas pediu as contas no meio do ano. “Eu vou garimpar ouro no Madeira e resolver minha vida”, me comunicou antes de ir embora. Não voltou mais. Segundo ouvi mais tarde, o tal sócio da superfície da balsa, com quem tinha pendengas abertas, o largou no fundo das águas. Os corpos, dele e dos demais descartados do garimpo, jamais foram encontrados.

 
O GARIMPEIRO

O segundo e mais duradouro parceiro de caminhadas pelas trilhas me enriqueceu com histórias de vida ainda mais escabrosas que o falecido primeiro. Branco, baixo, atarracado, com cabelos pretos e lisos, feições indígenas, o maranhense raramente desfazia a expressão enfezada, exibindo o cenho constantemente franzido. Sempre calado, só falava se eu tomasse a iniciativa. Mesmo assim, nos primeiros dias, foi difícil lhe arrancar frases. Levou tempo para que se soltasse.

Valeu a pena esperar.

Muitos anos antes, ele atuara no garimpo de ouro no alto rio Tapajós, sudoeste do estado do Pará. Verdadeira terra sem lei, a região dividia-se em feudos, comandados a ferro e fogo pelos chamados “donos” dos garimpos. Trabalhando como escravos para o dito cujo, embora oficialmente livres para irem embora quando quisessem, os garimpeiros eram obrigados a vender toda a eventual produção de ouro ao tal “dono”, por preços arbitrados por este, assim como comprar apenas dele os gêneros de primeira necessidade e ferramentas de trabalho, também por preços impostos ao bel prazer. Os garimpeiros entravam em dívidas intermináveis, a não ser que, num ato de ousadia extrema, tentassem fugir sem pagar e, mais importante, de posse do ouro garimpado.

E foi o que o maranhense fez.

Escolheu o momento conveniente, escondeu o plano o mais que pode dos companheiros de sofrimento, mais ainda do “dono” do pedaço, e sumiu da área do garimpo se embrenhando pela floresta. Levara quase nada de pessoal consigo. O ouro, coletado e bateado às duras penas dos barrancos, ele enfiara entre as meias e o calçado. Com aquela quantidade, tinha a certeza, lhe daria folga suficiente para recomeçar a vida em local distante e menos opressivo. Evitou caminhos conhecidos, deu grande volta para despistar possíveis perseguidores, antes de desembocar na rodovia BR-163, a famigerada Cuiabá-Santarém, de onde pegaria transporte que o levaria para bem longe do inferno do garimpo do alto Tapajós.

Sei lá como, por delação ou pura suspeita prévia do senhor feudal do garimpo, mas ele foi descoberto. Tocaiaram-no na beira da rodovia BR-163. Estavam em cinco indivíduos. Começaram a bater imediatamente, sem dó nem piedade. Arrancaram toda a roupa dele, procuraram o ouro e dinheiro em todos os lugares possíveis, enquanto não paravam com a agressão nem um minuto sequer. Mesmo depois de terem recolhido o que pretendiam, prosseguiram o espancamento com as mãos, pés, pedaços de pau, correntes, cintos. Os tipos carregaram o corpo, desacordado e todo coberto do próprio sangue, jogando-o numa grota próxima, certos que apagaria em minutos e apodreceria sem ser descoberto a tempo.

O colega maranhense, contudo, sobreviveu àquela infinidade de golpes, hematomas, sangue perdido, fraturas em geral. Não lembro o que ele me contou, se foi encontrado ou se cambaleou rumo ao lugar que o salvaria da morte certa. Só sei que tempos depois se recuperou dos ferimentos profundos, impedindo a morte. Não mais tinha o ouro, as economias guardadas, as roupas que vestia quando deixara o garimpo. Nem os planos de recomeçar a vida. Ele os substituíra pela mais simples e pura vingança. Não queria perdoar ninguém, os cinco que o espancaram, o “dono” do garimpo, os delatores prováveis e possíveis, mais alguém que pudesse estar envolvido direta ou indiretamente.

Contabilizou dezesseis elementos que de alguma forma eram responsáveis pela tragédia pela qual passara. Não tinha tempo a perder. Determinado e munido do que mais precisava para a missão, ele partiu à caça. Descobriu onde estava cada um deles. Muitos se espalharam por outros estados. Mas a paciência e a obsessão o ajudaram a encontrá-los.

Ele me contava aquela história de maneira calma e resoluta enquanto enganávamos o estômago com bolachas e duas latas de “arara”. Relatava sem grandes emoções e fixava o olhar perdido em algum ponto da floresta. Só me olhava se eu lhe dirigisse a palavra. E eu não desejava falar nada, apenas queria ouvir mais. Estávamos sentados na margem de um dos inúmeros igarapés que cruzávamos pelas trilhas. Não sei se mastiguei o lanche ou mesmo pisquei os olhos durante aquela fala. Talvez eu até tenha suspendido a respiração. Não sentia medo por estar sozinho com ele no meio da floresta amazônica, nem tampouco da inseparável cartucheira que ele encostara junto à árvore. Apenas o levei bastante a sério e o respeitei ainda mais.

Conforme salientou no relato, ele pouco disse ao se deparar com cada um daqueles dezesseis homens. Assim que se apresentava e explicava as razões, simplesmente executava o sujeito sem mais delongas. Confirmada a morte do inimigo, deixava o recinto e partia para a etapa seguinte. Durante anos, a vida do colega maranhense se resumiu a isso. Não descansaria enquanto um deles ainda estivesse vivo. E foi assim, um por um. Cada um deles, morto friamente, de maneira deliberada, planejada, calculada.

Até aquele ano, declarou que já se vingara de quinze dos dezesseis procurados. Perguntei por perguntar, mais por tique nervoso, se aqueles quinze estavam mesmo mortos. Apenas assentiu com a cabeça, antes de elevar a voz e garantir, mais para si mesmo, que ainda faltava UM. E que esse UM não ia escapar não. Balançava o braço esquerdo com o dedo apontado para o nada e repetia que o último desgraçado não ia escapar não.

Não sei se pelo jeito natural de me relacionar com os funcionários ou se pelo jeito submisso de ele me obedecer, mas jamais me senti ameaçado. Ao contrário, ele sempre se mostrou educado e prestativo. Jamais alguém poderia imaginar que aquela pessoa de comportamento tão inofensivo guardasse dentro de si história de vida tão trágica.
continua...

terça-feira, 19 de março de 2013

Um Ano em Rondônia (parte 3/5)

...continuação
A FLORESTA

Ao contrário da caatinga, não sentia a mínima dificuldade de caminhar pela floresta fora das trilhas. Quase não havia espinhos, as folhas eram largas e macias, não faltava espaço por entre a vegetação. Constantemente fofo, o solo não oferecia grandes obstáculos rochosos ou pontudos. Raízes úmidas e escorregadias, buracos tapados por folhas, troncos de árvores caídas, rios e igarapés para atravessar, a pé ou a nado, o perigo latente de se perder, no entanto, requeriam maiores atenções.
 
Também diferente da caatinga, a floresta amazônica, nos trechos por onde andei, era mais silenciosa. Havia menos cantos de pássaros. Vi menos cobras, aranhas, escorpiões. Sempre fechada nas copas altas, a mais de cinquenta metros de altura, o solo da floresta raramente recebia os raios do sol. Daí eu estar constantemente com a pele branca de tanta sombra e semiescuridão.

Da mesma maneira, o vento praticamente não penetrava nas partes baixas da mata. Bem acima de mim, as copas balançavam, mas nada de brisa embaixo. O calor abafado e sem ventilação provocava transpiração constante. As roupas facilmente encharcavam de suor. Ao surgirem igarapés, eu não pensava duas vezes e entrava de roupa e tudo. E parava no meio do canal, me posicionando com o rosto contra a corrente, nivelando a boca com a superfície da água, e engolia farta quantidade de água limpa e fresca.

A comida salgada do jantar do acampamento me provocava sede durante a noite. E era sede de água fresquinha, não aquela morna do cantil ao alcance da mão. Deixava a rede e, de lanterna, me dirigia ao igarapé a poucos metros do acampamento. A melhor água corria no meio do canal, afastada da margem, tendo que molhar os pés e me esticar para alcançá-la. Notei algo escuro e alongado no fundo das águas. Não se movia e concluí ser um tronco de madeira arrastado pela correnteza. Como o tal tronco estava bem abaixo do trecho da água mais fresca, me aproximei tanto que quase o toquei. Ainda bem. O tal tronco não era tronco e sim um jacaré adormecido. E vivo, muito vivo. O danado abriu a bocarra, se agitando exageradamente, espirrando água para todos os lados. Se o jacaré se assustou com a minha proximidade, imagine eu. Automaticamente saltei para trás, me atrapalhando com a água, desesperado para sair logo dali, sem falar dos gritos que me saíram involuntariamente. Os peões acordaram, saltaram das redes e saíram em disparada na minha direção. Ninguém via nada devido à escuridão da noite. Não sabiam exatamente o que acontecera.

O jacaré não me fez nenhum mal. Os peões, porém, decidiram abotoar o paletó do pobre réptil. Choveram pancadas de pau na cabeça do coitado. E me animei com a possibilidade de o cozinheiro prepará-lo no dia seguinte. Dormi salivando com essa esperança. Mas me frustrei redondamente quando amanheceu. Me surpreenderam ao afirmarem que ninguém comia carne de jacaré por aquelas bandas. O cozinheiro nem saberia por onde começar. Nada de banquete à vista. O jacaré morrera por nada. Inconformado, ainda o observei antes de jogarem o cadáver em ponto distante do acampamento.

Em outro projeto, um geólogo paraense pisou acidentalmente numa surucucu. Em legítima defesa, a cobra o picou na batata da perna. A sorte é que ele vestia calça grossa e larga de brim, prejudicando o acesso de ambas as presas da cobra. Apenas uma delas o atingiu, inoculando pequena quantidade do veneno.

Demorou certo tempo para ele chegar ao posto médico da segunda vila e ser medicado. A transnacional estrangeira contava apenas com soro contra outros tipos de veneno, e ainda por cima com a data de validade vencida. Os irresponsáveis nem programaram a aquisição do soro anti-laquésico, aplicável às surucucus, típicas da região.

O geólogo paraense permaneceu hospitalizado no pequeno hospital enquanto a ferida cicatrizasse e o veneno inoculado não oferecesse maiores perigos. Exibindo o ferimento como um troféu, recebeu visitas de vários de nós para conversar e passar o tempo entre muitas risadas.

Eu me protegia com minhas inseparáveis perneiras de couro duplo que providenciara em Tatuí, interior de São Paulo. Após o acidente com a surucucu, encomendei soro antiofídico junto ao Instituto Butantã, também em São Paulo, porém me disponibilizaram pequena quantidade, e apenas do tipo polivalente, voltado contra os venenos de jararacas e cascavéis.

Pouco ouvi sobre onças. Os peões descreviam cenas de antigos funcionários dilacerados, ou de ossos perdidos na floresta de certo sujeito desaparecido havia meses. Sempre alertavam sobre as cabeceiras de igarapés, principalmente durante as fases de cio e partos recentes, momentos nos quais as onças se tornavam pouco amigáveis. Nada vi ou ouvi além de rastros grandes e recentes nas proximidades dos acampamentos. Certamente elas nos rondavam. A extensão de mais de vinte centímetros das marcas de cada pata impunha respeito.

O cozinheiro me contou que uma onça se aproximara da cozinha do acampamento numa manhã. Notou ao assustá-la com os chiados do rádio ao mudar de estação. Acontece que o cozinheiro, o tal que adorava berrar cantorias do fundamentalismo religioso, vivia acompanhado de dois cachorros. Imediatamente percebi o que atraía as onças. Embarquei os cachorros na primeira viagem do barqueiro, o mesmo que nos transportava e nos abastecia de insumos.
 
Nem os jacarés, inofensivos, encontrados em grupos nas praias fluviais no final da tarde. Nem as cobras, pouco avistadas nas trilhas ou proximidades do acampamento. Nem as onças, virtuais ou não. Nem as piranhas, com as quais nadei, lado a lado, várias vezes, nos igarapés maiores, e que apenas me analisavam ou me tocavam com a boca fechada, sem jamais me morderem. Nem as raras aranhas ou os escondidos escorpiões. Nem os espessos e extensos cortejos de incansáveis formigas, me obrigando a pegar impulso para saltar correndo sem atingi-las.
 
Nenhum desses bichos, que atacam somente quando se sentem atacados, chegariam perto das torturas praticadas pelos insetos voadores. Viviam em nuvens e existiam em praticamente todos os lugares onde estive, nos acampamentos, nas trilhas, nas imediações das vilas. Não deixavam ninguém em paz, atazanando sempre e em todo lugar. E de todos os tipos e tamanhos imagináveis. Havia os que picavam e os que não picavam. E mesmo os que não picavam, estouravam os limites da paciência. Vinham aos milhares. Pousavam nos braços, mãos, pernas, rosto. Entravam nos cabelos, mergulhando rumo ao couro cabeludo. Em determinado acampamento não conseguia comer fora do mosquiteiro, pois milhares de mosquitos entrariam na boca assim que eu a abrisse para colocar a comida.
 
O tempo e a falta de alternativas me ensinaram a não resistir, a me entregar, a desistir de lutar. Vez ou outra, eu me via coberto deles pelo corpo todo e, impassível, fingia que não era comigo.
 
Nunca, porém, peguei malária, seja da falciparum ou da vivax. Ao contrário dos peões que adoeceram em mais de uma oportunidade, criando esquema de emergência para transportá-los a um atendimento mais ou menos decente na vila da empresa. Me protegia preferindo calças e camisetas de mangas compridas, me recolhendo à rede, dentro do mosquiteiro, ao amanhecer e ao entardecer.
 
Sobretudo nos acampamentos recém-montados, as abelhas, longas e rajadas em preto e branco, infernizavam. Eu era picado duas a três vezes por dia, nos dedos ou na palma das mãos, ardendo e inchando imediatamente. Então distribuíamos latas de compotas, cheias do caldo açucarado restante, em cantos afastados do acampamento. As coitadas faziam fila para mergulharem e se prenderem no líquido viscoso. No dia seguinte, centenas delas estavam atoladas e mortas, dentro da calda da lata.
 
Estava eu numa trilha situada não muito distante da vila da empresa, permitindo ir e voltar no mesmo dia, sem precisar acampar. Eu deixara a caminhonete estacionada na margem da estrada larga que seguia em direção a uma das principais minas ativas da empresa. Eu ia à frente conduzindo os demais ao ponto para coletar amostras de solo com o trado. Caminhávamos cada um mantendo boa distância do outro.
 
Árvore de grande porte, chegando a cinquenta metros de altura, mas com raízes pouco profundas, a castanheira comumente caía com as intensas ventanias que se antecipavam às tempestades amazônicas. E foi com uma dessas imensidões que me deparei, caída e atravessada na trilha. A fim de evitar contorná-la, preferi pulá-la. Mesmo deitada, a árvore atingia a altura do meu peito. Não daria para simplesmente saltar. Tive que escalá-la, quase me sentar sobre ela, para depois pular do outro lado. Os musgos que a cobriam me fizeram escorregar e tentar mais de uma vez. Ao alcançar a parte superior, antes de poder saltar, senti o estalo seco e o tombo. A castanheira estava podre, me fazendo despencar dentro do tronco. Bem no meio da árvore, senti queimações pelo corpo. Parecia que eu tocara em algo corrosivo. Mas bastaram segundos para concluir que eram marimbondos, dezenas, centenas, milhares deles, a me envolver e a me picar sem dó nem piedade. Eu despencara no oco da castanheira, justamente onde havia um enxame de marimbondos.
 
Comecei a me debater alucinadamente, tentando de todas as maneiras sair de dentro do oco. Voei dali enlouquecido, aos berros, nas carreiras, enquanto esfregava desesperadamente o corpo, arrancando as centenas de marimbondos que se fixaram sobre mim. Picavam furiosamente as mãos, braços, rosto, couro cabeludo, até por cima da camiseta de algodão. Não parava de correr e retirar os marimbondos do corpo. Sentia toda pele ardendo que nem fogo. Sonhava com um igarapé no qual eu pudesse mergulhar, afogar os marimbondos, me livrar daquele ardor. Mas nada de água, pequena ou grande.
 
Corri centenas de metros, aos tropeços. Caí diversas vezes, me levantava e continuava a correr. Nem sentia dor pelos golpes da queda ou dos arranhões na terra e galhos. A queimação insuportável, me infernizando cada milímetro da pele, da cabeça ao cós da calça, não me deixava pensar em outra coisa que não fosse correr e arrancar os marimbondos do corpo.
 
Algo como um quilômetro depois eu finalmente parei, esgotado, com sede, sem ar ou resistência para prosseguir. Vi apenas ferrões e restos mortais de marimbondos espalhados sobre a pele, a camiseta, o rosto, dentro dos cabelos, na superfície do couro cabeludo. E como tudo queimava! O que mais queria era serrar a parte superior do corpo e me livrar daquele ardor. E me sentia febril, com tonturas, mal parava em pé. Acabei por cambalear e cair novamente no chão úmido da floresta.
 
O técnico de mineração e os peões que me acompanhavam, assim que desandei a correr aos gritos, também saíram em disparada sem saber por que. Acharam que, pelos berros, eu tinha me deparado com uma onça pintada. Passou um tempão até nos juntarmos novamente no local onde eu ruíra no chão. Se aproximaram lentamente, com os olhos arregalados, me fitando como quem observa um desenganado. Eu não falava coisa com coisa, reclamava muito da queimação na pele, não conseguia me firmar em pé. A sede aumentava a sensação de ardor interno.
 
Tomamos o caminho de volta, rumo à estrada, à caminhonete. Os colegas me conduziram à enfermaria do pequeno hospital da segunda vila. A enfermeira me deitou e aplicou soro para combater a febre e a desidratação já em estado avançado. Permaneci hospitalizado por mais de 48 horas.
 
A enfermeira contou mais de cento e cinquenta ferrões de marimbondo na minha pele. Sem contar os que eu arranquei durante a fuga. Eram marimbondos pequenos e avermelhados e, para minha sorte, de veneno fraco. Se fossem as abelhas rajadas que me picavam diariamente nos acampamentos, eu não teria sobrevivido para contar a história.
continua...

sexta-feira, 15 de março de 2013

Um Ano em Rondônia (parte 2/5)

...continuação
OS TRABALHOS DE CAMPO

As atividades de campo eram verdadeiras expedições no sentido estrito da palavra. Como líder do projeto, eu deveria pensar em tudo, da alimentação a equipamentos de coletas de amostras, dos meios de transportes, combustível e peças de reposição da caminhonete e barcos a medicamentos, dos pontos de acampamento móvel ou fixo a controle de pessoal via folhas de ponto, avaliação do andamento e qualidade dos trabalhos. Sem esquecer a prospecção mineral, como o objetivo central das explorações na floresta amazônica.
Os locais de pesquisa variavam de áreas próximas, aonde eu conseguia ir e voltar ao alojamento no mesmo dia, a, mais comumente, destinos afastados, para os quais exigiam logística complexa. Muitas vezes o acesso incluía caminhonete até a beira de um igarapé, barco com motor de popa por horas rio abaixo ou acima, caminhada por quilômetros pela selva até o centro base do projeto a ser limpo e aberto.
Meus colegas geólogos chegaram a liderar atividades em áreas ainda mais distantes. Um deles me convidou a sobrevoar a área onde seria desenvolvido novo projeto. A ideia era investigar a topografia, a hidrografia e levantar possíveis pontos de acampamento. Seguimos de avião bimotor eu, ele, o piloto e outro colega. A ventilação natural vinha com o abrir das janelas laterais. A aeronave possuía asas abaixo das janelas, prejudicando a visibilidade do terreno de quem sentava no banco de trás, como eu. Os dois da frente comentavam o que se passava lá embaixo e eu nada via. Ao saber do meu problema, o piloto não teve dúvidas. Inclinou bruscamente o avião noventa graus para a direita a fim de liberar minha visão e depois, mais bruscamente ainda, para a esquerda, também facilitando para o outro colega. E perguntava aos berros: “viram agora?”. Nos segurávamos para não despencarmos pela janela. E o piloto se acabava de rir. A visão da floresta daquela baixa altitude impressionava pela riqueza dos detalhes.
Os técnicos de mineração desempenhavam a função de coordenar a topografia, a exatidão da coleta das amostras de solo segundo a malha pré-determinada, acondicioná-las, etiquetá-las e recolhê-las depois de concentradas na bateia. Utilizávamos o trado manual, espécie de enorme saca-rolha, para a coleta de amostras de solo a um metro de profundidade. Contrariando a lógica de coletar amostras dos sedimentos de corrente, a empresa transnacional, via o gerente incompetente, nos obrigava ao vexame daquela metodologia ineficaz para minerais pesados. Até os peões, capatazes e técnicos de mineração, sabiam de cor e salteado que, continuando assim, jamais concluiríamos nada.
Saíamos para trabalhar bem cedo, quando o sol mal penetrava pelas árvores. Os peões, os capatazes, os técnicos de mineração se dirigiam rumo à abertura e demarcação topográfica de picadas, à coleta de amostras através do trado. Acompanhado de outro peão, armado de cartucheira para eventuais surpresas ou para caçar o jantar, eu seguia pelas picadas demarcadas, mapeava o terreno, coletava amostras significativas. Levávamos apenas bolachas e enlatados de conserva, as chamadas “araras”, para comer. Bebíamos água diretamente dos igarapés límpidos e retornávamos ao acampamento antes das 16h.
Frequentemente a picada cruzava igarapés ou rios que não davam pé. Meu parceiro improvisava pinguelas com o terçado a fim de não molharmos as roupas, demais materiais ou mesmo evitar eventuais surpresas com piranhas ou sucuris. Ou então entrávamos de roupa e tudo, atravessando com água no pescoço ou nadando quando não alcançávamos o fundo. O mais difícil era preservar a bússola e a caderneta de campo.
Pior situação, encontrávamos diante de lagoas e alagadiços, dos quais não conseguíamos enxergar o contorno e a profundidade. Normalmente de águas pretas, de fundo lodoso e entupido de galhos secos, com folhas flutuantes, esses obstáculos nos obrigavam a caminhar atolados até o peito de água e lama, lentamente, desviando de árvores maiores, atentos a alterações do fundo, empurrando sólidos com a barriga e pernas, sem a mínima ideia de onde púnhamos o pé, apreensivos pela indesejada aparição de sucuris. O parceiro apimentava o clima de suspense, contando estórias tenebrosas sobre ataques do doce ofídio em áreas alagadas como aquela. Eu disfarçava o pavor, tentando pensar em outras coisas, acelerando o passo através da viscosidade. Mas essas travessias duravam horas. Ao retornarmos à terra firme, arrancávamos as botas e as meias, expondo os pés a qualquer nesga de sol. A pele ficava esbranquiçada e rachada pelo excesso de umidade. Eu recolhia os detritos acumulados dentro das roupas, meias, botas, enquanto me sentia aliviado de, pelo menos daquela vez, tudo ter corrido sem sustos maiores.

Durante as chuvas torrenciais, eu tinha que fazer acrobacias para anotar as observações na caderneta de campo sem molhá-la. Às vezes o companheiro de trilhas improvisava uma cobertura com folhas para que eu pudesse escrever. De nada valiam as capas impermeáveis. O calor abafado impedia que vestíssemos mais roupa. Caminhávamos debaixo do aguaceiro e nada do corpo e das roupas, absolutamente nada, ficava seco, exceto a caderneta de campo. As chuvas nos encharcavam, e encharcados ficávamos até o retorno ao acampamento, a menos que nos deparássemos com uma clareira ensolarada, raridade em meio à densa floresta.

Os peões, capatazes, e até os técnicos de mineração, insistiam em me tratar por “doutor” e “senhor”. Eu explicava que não era médico, nem tampouco senhor de idade. A maioria era mais velha do que eu. Poderiam me chamar pelo nome e me tratar por “você”. Nem sempre eu os convencia na primeira tentativa, mas não os deixava em paz até acabar com aquele anacronismo.
Não faltavam casos de abusos trabalhistas contra os peões que se matavam de trabalhar na selva. A empresa estrangeira orientava os chefes a marcarem nas folhas de ponto dos peões menos horas do que as efetivamente trabalhadas no campo. A injustiça e a humilhação vinham acompanhadas de ameaças de demissão por justa causa e de sujar a carteira de trabalho dos que não concordassem, impedindo-os de conseguirem emprego nas redondezas.
Segundo eles, a transnacional estrangeira cometia aquele crime com frequência. Eu jamais admitiria tal absurdo. Orientei todos a marcar, a partir daquele momento, as horas efetivamente trabalhadas nas folhas de ponto.
Mesmo assim, algo ainda me incomodava. E as horas trabalhadas e não pagas nos projetos anteriores? A transnacional embolsaria aquele roubo sem mais nem menos? Os gringos aumentariam os lucros impunemente à custa de mais miséria dos trabalhadores braçais? Chamei o capataz mais confiável, depois os demais. Pedi sigilo absoluto, sob o risco de sobrar feio para todos. Até então, a transnacional estrangeira impunha trabalho de 12 horas por dia, mas marcação de apenas 10 horas nas folhas de ponto. Eu simplesmente orientei que invertessem a situação. Que trabalhassem 8 horas por dia e marcassem 10 horas. Assim o mesmo total de sempre de horas a serem pagas não chamaria atenção do patrão. Os capatazes se animaram com a minha proposta, repassaram-na aos peões, com a recomendação de boca de siri.
A novidade passou a valer na manhã seguinte. O ambiente no acampamento ficou mais alegre.
Em projeto envolvendo cerca de cem funcionários, contávamos com trator abridor de estradas. O projeto prometia ser de longa duração acarretando isolamento dos peões da vida social. Propuseram que aproveitássemos o trator para abrir uma clareira na mata do tamanho de meio campo de futebol, perto do acampamento, para os peões se divertirem. Passei a ordem ao tratorista. Providenciei a bola de futebol, as traves foram erguidas e já tínhamos atividades aos finais de tarde.
Implementei outras medidas para tentar humanizar os projetos. As caças e pescas pelos peões mais aptos empolgavam nossos jantares de fim de tarde. Diante de qualquer problema de saúde, impossível de resolver no acampamento, eu convocava o barqueiro a levar o paciente a atendimento médico na vila da empresa. Suspendia os trabalhos tão logo chovesse demais e as picadas alagassem.
Os atrasos no andamento do projeto, mais que justificados em inúmeros relatórios, irritavam o gerente geral, aquele do QI de ameba. De nada adiantava eu explicar pelo rádio, eu ali no meio do mato, ele lá na inseparável sala com ar condicionado na vila principal. Eu respondia seriamente ao mala-sem-alça enquanto fazia caretas ao microfone para delírio dos peões em volta. Às vezes, doido para chutar o pau da barraca, levantava a voz e insinuava que ele, o gerente incompetente, desconhecia as condições de trabalho, as características da floresta, os imprevistos físicos e humanos. Ou então, impaciente de ouvir tanta besteira, simulava qualquer defeito no rádio, cortando sumariamente a comunicação.

UM BAITA SUSTO

Apesar da relativa tranquilidade de caminhar nas trilhas da região, eu andava demais e gastava bastante energia. Chegava a percorrer vinte quilômetros ou mais em cada dia, no fim dos quais as pernas bambeavam e todo o corpo pedia por repouso.
Num dado final de tarde, fiz a besteira de ignorar o esgotamento físico e quase mudei para o andar de cima. Tinha marcado com o barqueiro de me encontrar na margem do rio. Naquele dia eu devo ter caminhado quase trinta quilômetros, sem contar os obstáculos que saltei, atolei, desviei, agachei, aumentando, e muito, o desgaste. Atingimos a margem bem antes do horário marcado, cansados, famintos, impacientes de esperar o barqueiro. Achei melhor atravessar o rio a nado mesmo. O parceiro topou e lá fomos nós.
Embalei os apetrechos mais sensíveis em saco plástico e, de roupa, botas e tudo, entrei na água. O início da travessia, em águas calmas e próximas à margem, não ofereceu resistência e as braçadas me fizeram avançar alguns metros, ainda que lentamente. Foi assim até atingir o canal do rio. A partir dali a história foi outra. A correnteza me desviava violentamente. A velocidade das águas, tanto na superfície como abaixo, entontecia e desequilibrava, me impedindo de progredir. O corpo e as roupas pesavam cada vez mais. As pernas, fatigadas de tanto andar na floresta, não obedeciam. Os braços mais se debatiam que propriamente praticavam movimentos sincronizados. Comecei a ser levado pela correnteza, a afundar. E o pânico impediu de o cérebro funcionar corretamente. Balançava desesperadamente os braços.
Afundei várias vezes. Engoli muita água. Vi trechos do filme contendo pessoas e fatos mais marcantes da minha vida. Parte de mim queria se entregar, outra teimava em resistir. Entre movimentos histéricos, avistei meu parceiro, já seguro na margem desejada. Ele me fazia sinais atrapalhados, tentando me orientar. Mas eu não entendia nada.
À medida que descia a correnteza, me aproximei de galhos pensos vindo de árvores da margem, observação que me desanuviou a mente. Me preocupei apenas em manter a flutuação, sem gastar energias. Esperei um galho mais firme e conveniente, me esticando o mais que pude, e o agarrei. Pronto. Já não afundava ou era arrastado pela correnteza. Me acalmei, ou quase. Não alcançaria a outra margem através daquele galho. Não tinha outra opção a não ser esperar pelo barqueiro. Permaneci pendurado no galho envergado, com o corpo parcialmente submerso no rio. Meu parceiro, também esgotado, me observava com o olhar esbugalhado. E o barqueiro chegou, não sei quanto tempo depois, me resgatando para a margem tão sonhada.
Não sei quem estava mais assustado. Se eu, que quase partira desta para uma melhor, o barqueiro ou o parceiro de caminhada, ambos mudos e estupefatos. Minha visão ainda se mantinha turva, pois meus óculos tinham afundado nas águas do rio. Algum peixe deveria estar nadando de óculos. Até voltar à vila da empresa, onde guardava óculos reservas, sofri um bocado tentando contornar a miopia.
Por pouco, muito pouco mesmo, eu não estaria aqui para contar a história. E por absoluta falta de bom senso. O mais simples e óbvio bom senso.
continua...

terça-feira, 12 de março de 2013

Um Ano em Rondônia (parte 1/5)

OS ANTECEDENTES

Eu ficara meses desempregado após pedir demissão do emprego na Bahia. Permaneci a maior parte desse tempo em São Paulo, intercalado com estadias no Rio de Janeiro com colega de universidade. Além de dar voltas sem compromisso, entregava currículos em dezenas de empresas de mineração na capital fluminense.

O Brasil entrava em recessão profunda e as coisas não andavam nada bem. Se eu quisesse realmente me manter na área, deveria encarar o que aparecesse de suportável. E a pequena experiência estreitava meu poder de barganha.

Quase deu torcicolo de tanto me virar para as cariocas do centro da cidade. Eu babava com as morenas e mulatas economizando tecidos pelo calor. Me deslumbrava no metrô, ônibus, calçadas, recepções, secretarias. Às vezes esquecia os currículos e o que procurava dentro do andar do edifício, ficando de queixo caído com os colírios. As danadas aproveitavam para judiar um pouquinho mais. Esnobavam. Mas aquelas maravilhas podiam tudo.

E foi justamente no Rio de Janeiro que acertei com uma transnacional de mineração que atuava no recém-emancipado estado de Rondônia. Os gringos escolheram uma razão social verde-amarela a fim de esconder quem realmente mandava na empreitada, a associação de uma empresa inglesa e outra canadense.

Para liderar projetos de pesquisa mineral de cassiterita, consegui salário aceitável e despesas pagas de hospedagem, alimentação, lavanderia, transportes.

Marquei o embarque para o início de 1982, tendo que deixar o Rio, voltar a São Paulo e preparar a bagagem definitiva para Rondônia.

Fui recebido no aeroporto de Porto Velho por funcionários da empresa, que me embarcaram em avião bimotor em direção à base local da empresa, contando com pista improvisada de terra para a aterrissagem. A pista irregular, o avião pequeno e frágil, o risco de ventanias e tempestades, tão comuns na Amazônia, causaram apreensão, mas o dito cujo pousou sem sustos.

Mas não seria naquela vila principal da empresa o meu destino final. Após a recepção de praxe por aquele que seria o gerente regional dos projetos, entrei em caminhonete e fui levado à segunda vila, também artificialmente incrustada pela empresa na floresta, menor que a primeira, porém bem mais vistosa e aconchegante.


A SEGUNDA VILA

A caminhonete me deixou em frente à suíte que se tornaria minha residência daí em diante. Tratava-se de quarto com duas camas de solteiro, banheiro privativo, ar condicionado, armários, criados-mudos, o suficiente para solteiros, como as demais suítes geminadas daquele conjunto alongado.

As duas transnacionais que compunham a empresa com fachada brasileira importaram todo o racismo dos países de origem na hierarquia das instalações, em pleno interior da Amazônia. Impunham rígidas separações físicas entre os funcionários conforme os níveis dos cargos, especificamente em três categorias bem distintas. O estrato dos profissionais superiores, de nível universitário e chefias, no qual eu me encaixava; o dos de nível médio; o da camada de trabalhadores braçais e não qualificados em geral.

As instalações superiores contavam com suítes confortáveis para os solteiros, casas amplas e equipadas com o essencial para os casados e a família, piscinas, quadras esportivas, clube social espaçoso com bar e mesas de jogos, refeitório com comida boa, farta e variada, serviços de limpeza e lavanderia, caminhonetes novas e individuais com tração nas quatro rodas. Ali residiam os geólogos, técnicos de mineração, engenheiros, gerentes setoriais, médicos, professores, entre outros membros da elite.

Nem precisaria descrever as instalações para os trabalhadores braçais, onde a empresa estrangeira os tratava como bestas de carga. Viviam amontoados em dormitórios fétidos, apertados, lotados. Nada de áreas de lazer sadias, apenas o famigerado espaço noturno de danças com direito e muita bebida alcoólica de má qualidade. Arrisquei frequentar o local, mas os colegas da casta superior me desaconselharam, alegando que eu poderia não voltar vivo da noitada, reproduzindo o preconceito semeado para empresa. Nada mudara desde 1500.

Quando não estava acampado na floresta e dormia no alojamento de solteiro, me encontrava com os colegas no refeitório durante o almoço, o jantar e depois, na sede social do clube, aonde quase todos da casta superior se dirigiam à noite, por absoluta falta de alternativas. A cidade mais próxima se situava a centenas de quilômetros por estradas precárias, enlameadas e recheadas de atoleiros durante as chuvas, cobertas de poeira e buracos durante a estação seca. E a cidade de Ariquemes não merecia esse sacrifício. Pequena, suja, miserável, mais parecia vilarejo perdido no tempo, com casebres e armazéns de madeira. Fundada somente cinco anos antes, Ariquemes não contava com atrativos.
      

A VILA PRINCIPAL

A cerca de trinta quilômetros, a vila principal seguia os mesmos moldes da segunda vila, apesar de mais antiga e feia, de estar mais próxima das minas, oficinas, poluição sonora e do ar. Comportando maior número de funcionários, especialmente quem atuava nas diversas fases da lavra de cassiterita, geólogos ou não, a vila incluía as principais gerências e chefias locais das duas transnacionais, entre elas a que estava acima de mim, a gerência regional de mineração, encabeçada pela múmia paralítica em pessoa.

O doce capataz, ou melhor, gerente, se enfurnava na sala com ar condicionado, cercado de funcionários da área administrativa, sem jamais visitar as frentes de pesquisa mineral. Vez ou outra se divertia no rádio comunicador, vomitando ordens descabidas aos profissionais que sofriam no meio da floresta. Ninguém o suportava, do peão ao geólogo líder do projeto. Era muita incompetência e arbitrariedade numa só pessoa. Nada entendia de geologia, mineração ou relacionamento interpessoal. Foi enfiado no cargo provavelmente por ligações escusas com a alta direção da empresa. E o energúmeno se transformava no tema predileto de piadas e xingamentos, vindos de todos. O sujeito era a encarnação do modelo de eficiência importado pelas empresas transnacionais. 



OS ACAMPAMENTOS

De posse de mapas de localização, partíamos da vila rumo ao ponto de referência, de caminhonete, de barco, a pé, ou geralmente numa combinação dos anteriores, em operação que poderia demorar dias. Estabelecido o local exato a partir do qual o projeto de pesquisa se basearia, iniciávamos a montagem do acampamento.

No espaço desmatado armávamos barracas, utilizando estruturas de pedaços de pau cortados na mata, cobrindo-as em seguida de palha ou lona. Dentro delas estendíamos nossas redes devidamente protegidas pelos mosquiteiros que as envolviam completamente e nos isolavam das picadas de insetos em geral. A engenhoca do mosquiteiro encantava pela funcionalidade, uma vez que vedava toda a rede sem tocá-la, mal que permitiria o contato da pele com os ferrões externos.

A barraca da cozinha era armada em local mais próximo do igarapé, de onde pegávamos a água para beber e cozinhar, e também onde nos banhávamos, evitando contaminações de uma coisa pela outra. Nada de banheiros para os líquidos ou sólidos. No máximo se cavava um buraco a mais de cinquenta metros do acampamento e se fincavam dois paus de apoio na beira da cova a fim de evitar que um desavisado despencasse nos excrementos.

Conforme o número de funcionários do projeto, o cozinheiro e o eventual ajudante permaneciam no acampamento base preparando a refeição para a tropa toda, certamente faminta quando retornasse das atividades de campo. O cardápio raramente variava de arroz, feijão, farinha, carne salgada trazida da cantina da vila da empresa, alguma pesca ou caça obtida nos arredores. Eu destacava um ou outro peão, devidamente munido de cartucheiras, para caçar cotia ou paca, invariavelmente saborosas. Ocorria de não acharem nada ou trazerem aves do tipo jacu ou jacumim, de carnes duras e insípidas. A fome, porém, nos ajudava devorar tudo o que estivesse pela frente.

O que não dava para tolerar era o cozinheiro que se animava a cantar canções evangélicas em alto volume. Eu o repreendia. O pior acontecia no início da noite, com todos nas redes e prontos para dormir. A ovelhinha do rebanho disparava a vomitar mais salmos. Eu tinha que sair da rede e, sem mais paciência de argumentar, mandá-lo calar a boca. Os outros peões apenas riam.

Todos se recolhiam bem cedo. O acampamento escurecia antes do pôr-do-sol em virtude dos raios inclinados não penetrarem pelas árvores de grande porte que nos rodeavam. Assim que a maioria entrava nas redes, dissecava assuntos que raramente diferiam de putas, brigas, garimpos, atritos com a empresa. Ouvia-os atentamente, me divertia ou me enfadava, me sentindo incapaz de participar. As vozes não duravam muito. O sono logo os pegava, os lançando em sono profundo, com ou sem roncos, altos ou não. Eu folheava o livro da vez com a luz da lanterna antes de também adormecer rapidamente.

As temperaturas amenizavam durante a madrugada. Jamais transpirei na rede. Nos meses do meio do ano, precisava me cobrir para me proteger do frio noturno amazônico, ainda que suave.

Depois de pastar nas primeiras noites, me acostumei com a rede. Passei a adormecer com facilidade, em poucos minutos depois de me aconchegar. Quanto à posição, aos possíveis roncos devido à barriga para cima, à tendência natural de a boca abrir e de o queixo cair, nada posso garantir. Um peão insinuou que o ronco funcionava como chamariz para as onças. Mas nada podia fazer. Mesmo usando rede de casal, as opções de posição eram mínimas.

As semanas que antecediam o início das primeiras tempestades apavoravam pelas ventanias violentas, provocando fortes oscilações nas árvores ao redor do acampamento. Eram galhos e folhas para todo lado. Os troncos mais finos, e nas rajadas mais ferozes até os mais grossos e altos, vergavam ameaçadoramente, rangendo e estalando, nos assustando diante da possibilidade de despencarem sobre as redes ou nossas cabeças. Quando essas situações ocorriam à noite, levantávamos e, com as lanternas apontadas para as alturas, avaliávamos, em caso de queda de árvores, para onde deveríamos correr. Impossível relaxar e adormecer antes de a natureza se acalmar.
continua...