...continuação
Comemorado no dia primeiro de janeiro, o aniversário da
revolução cubana não contou com festas e discursos na tradicional praça da
revolução. O governo alegou economia de recursos e cancelou o ato. Acordei cedo
no primeiro dia do ano. A praça, ruas e redondezas estavam vazias naquela manhã
ensolarada. Havana parecia de ressaca da virada do ano e ninguém dava sinal de
vida.
Havia os opositores à revolução, que não se escondiam como
insiste em mentir a imprensa burguesa. E nem se amedrontavam ao se depararem com
os simpatizantes da revolução, a maioria do país. Ambos os lados faziam questão
de expor as ideias em público. Segundo depoimentos que ouvi, o governo
perseguia e prendia somente os que cometiam atos de traição e terrorismo,
incêndios criminosos, sabotagens à economia nacional, espionagem para os
estadunidenses. O conteúdo das críticas ouvidas se restringia à falta de
variedade de roupas da moda internacional nas lojas, deficiência do transporte
coletivo, lentidão no processo de melhorias na habitação, racionamentos. Mas se
assustavam quando eu descrevia as “maravilhas” do capitalismo brasileiro e
latino-americano. Também reconheciam que muitas das dificuldades da situação
cubana provinham do criminoso bloqueio econômico e naval imposto pelo regime
dos Estados Unidos desde o início dos anos de 1960. Conheci cubanos curiosos sobre
o movimento social brasileiro e a então novidade do Partido dos Trabalhadores.
De maneira geral o povo cubano se assemelhava muito ao
brasileiro. E sabiam disso pela música, dança, calor humano, malícia, bom
humor, comunicabilidade. Embora com características físicas diferentes, a
influência africana se fez presente em ambos os países, atingindo profundamente
inúmeros setores da cultura popular.
Os cubanos se libertaram da miséria secular causada pelos
domínios espanhol e estadunidense. Não por coincidência, a maior parte do povo,
inclusive os negros e mulatos, possuíam curso universitário, se conscientizavam
da situação social cubana e mundial, tinham todos os dentes. E não havia
menores abandonados ou passando fome perambulando pelas ruas.
O tempo voava e tive que deixar Cuba.
Desembarquei perto da hora do almoço na capital mexicana.
O simpático atendente do balcão de informações turísticas me auxiliou na
escolha do hotel. Ao saber que eu vinha de Cuba, me perguntou, rindo, quantos
fuzis eu carregava na bagagem. Informei que coube apenas um. E ele prontamente
me ofereceu carona.
Nem sei o quanto demorou o trajeto ao distante centro da
maior cidade do mundo, mas as conversas animadas do mexicano ajudaram o tempo
passar rápido. Entre muitos outros povos, o mexicano sempre foi admirador do
povo e cultura brasileira. Era evidente em cada frase dele. E eu sempre tentei
retribuir esse acolhimento.
O hotel se localizava em área nobre, sem muitos edifícios
altos, em razão da alta incidência de tremores de terra. E as conseqüências do
terremoto de dois meses antes tinham se transformado em atração turística.
Ruínas, desmoronamentos, rachaduras, escombros, entulhos, construções
destruídas parcial ou totalmente, atraíam fotógrafos, mórbidos e curiosos em
geral.
No café da manhã do hotel, arrisquei os huevos mexicanos. O dito cujo veio com
pintinhas vermelhas por toda parte. Não deu outra. Queimou feito fogo no
estômago. Não eram ovos com pimenta, mas pimenta com ovos. Trucidei todo o pão
e manteiga possível. Bebi o jarro inteiro de café com leite. Amenizou o
incêndio, mas não resolveu.
Caminhei pelas imediações do hotel, fui até o centro
antigo, o Zócalo, passeei pelo parque, entrei em contato com a rotina dos
mexicanos da capital. A situação social da maioria dos mexicanos contrastava
com a dos cubanos, mas se assemelhava à dos brasileiros. Cenas ausentes em Cuba
abundavam pela cidade do México. Menores de rua, pedintes, insegurança, miséria
do povo, ao lado do luxo, riqueza e ostentação da minoria muito rica. Nem por
isso os mexicanos perdiam a simpatia. Simpatia que logo crescia ao descobrirem que
eu era brasileiro.
O destaque na cidade ficou por conta do estupendo Museu de
Antropologia. Ao contrário da maioria dos do gênero pelo mundo afora, o museu
mexicano conseguia a proeza de ensinar sem ser enfadonho. Percorri a imensa
área, lentamente, aproveitando cada ponto. Constatei, mais uma vez, que é
possível mostrar história de maneira profunda e empolgante.
E era hora de voltar ao Brasil.
Reencontrei no aeroporto com os judeus paulistas, aqueles que
exigiram que a nora se convertesse ao judaísmo.
A escala do voo prevista em Lima não foi possível em razão
das fortes chuvas na capital peruana. O avião pousou em Guayaquil, litoral sul
do Equador. O comandante liberou o desembarque dos passageiros enquanto
aguardava novas instruções. Desci e me dirigi ao café do pequeno aeroporto. Observei
o mapa do Equador pendurado na parede. Era em alto relevo e logo me encantei. O
pequeno país erguia-se do leste, a partir da floresta amazônica e do oeste, a
partir do litoral, formando a cordilheira dos Andes, ao centro, como grande
espigão, de norte a sul. Em minutos concluí que desejava explorar aquela obra
de arte da geografia. Mas esse sonho teve que aguardar alguns anos.
Desembarquei em São Paulo em janeiro do ano seguinte,
emocionado com o tanto que aprendera naquela viagem.
Sempre quis saber mais sobre Cuba e com seus relatos me animei a visitar o país assim que eu puder. Eu me interessei pelo seu jeito não apenas turístico de descrever o que sentiu. Prefiro assim. Tentarei ler seus outros relatos também. Abração.
ResponderExcluirEstive em Cuba em 1886 via Peru...ao chegar ao aeroporto, não acreditava estar lá...e à medida que ia correndo a paisagem em direção ao Hotel Capri, mais e mais me sentia estranha..era como se estivesse dentro de um livro...Havana tem aquele cheiro indescritivel dos charutos adocicados...e o povo é incrivelmente acolhedor, principalmnte curioso sobre o Brasi e nossa música, de Nelson Ned . Roberto Carlos a Gal, Chico e Caetano...as crianças uniforizadas pareciam passarinhos ao sair da escola...peguei um onibus e não tinha trocado..morri de vergonha..e aí todos disseram - não tem problema, não precisa pagar se não tiver dinhheiro - deu um nó na minha cabeça..rsrs.Imagine isto aqui..rsrs. São tantas lembranças que ainda não se perderam completamente...quisera volver a Cuba agora...uma amiga foi e voltou encantada, apesar de não ser fã de Fide e muito menos da revolução...
ExcluirOlá,
ExcluirObrigado pela visita e pelos comentários, tão saudosos e deliciosos de ler e relembrar de Cuba, dos cubanos e das emoções da viagem.
Comente sempre,
Abraços!
Leia sim e fique à vontade para comentar, indicar, sugerir... As opiniões, elogiosas ou não, serão sempre bem-vindas. Abraços
ResponderExcluirBom saber que o povo cubano se assemelha muito ao brasileiro, pela música, dança, calor humano, malícia, bom humor, comunicabilidade. Talvez um dia o Brasil tenha educação, saúde...tudo gratuito e Cuba o direito de ir e vir que aqui possuímos. Até lá vamos vivendo e esperando por um mundo sem fronteiras.
ResponderExcluirIvete, acho que o Brasil alcançará o elevado nível social de Cuba somente se o povo brasileiro tomar para si essa responsabilidade, assim como o povo cubano fez a partir de 1959.
ResponderExcluirAqui e no resto do mundo, as soluções virão de baixo para cima. Não devemos esperar nada de quem está acima de nós.
Se não nos organizarmos e lutarmos por uma transformação estrutural da sociedade, nada vai mudar, só o discurso e os rostos lá de cima rsss.
Abraços!
Exatamente isso que o povo brasileiro ainda não percebeu a mudança de verdade vem do povo e não de um "Salvador da Pátria" eles vem e vão e nada é feito muito pelo contrário muita coisa boa é desfeita!
ExcluirOi Harles,
ExcluirObrigado pela visita e pelos comentários.
Concordo em gênero, número e grau.
Comente sempre...
Abraços!
Olá, interessei-me por Cuba, dito por alguém que foi lá e viu, ouviu e emitiu sua opinião, um olhar de alguém que já viu muito por esse mundo afora...Pena que muitos não compreendem porque Cuba é o que é hoje, pagando o preço por querer ser dona do seu próprio destino...Gostaria de ver uma crítica histórico-política sua sobre o fato, principalmente em contraponto a tantos equívocos que se ouve sobre a ilha...
ResponderExcluirOlá, obrigado pela visita e pelos comentários.
ResponderExcluirAcho que você sintetizou bem o que acontece com a imagem de Cuba no exterior, sobretudo para quem nunca foi verificar lá, ao vivo e em cores.
Nada melhor do que circular pelo país, sem pressa ou afobações, conversar, ouvir, observar, analisar.
O povo cubano, além de educado e politizado, é extremamente hospitaleiro. A língua ajuda a diálogos mais aprofundados, sobre qualquer assunto.
Expus meus pontos de vista a partir dessa viagem nos relatos que acabou de ler.
Em outros relatos aqui publicados, dos interiores do Brasil ou de outros países da América, Europa, Ásia, também você poderá captar o meu olhar sobre as paisagens e culturas visitadas.
Espero que também explore e divulgue seu olhar a partir de suas próprias experiências.
Abraços e comente sempre!