quarta-feira, 30 de junho de 2010

Não ao substitutivo do Código Florestal


Segue reprodução de manifesto de entidades e organizações sociais exibida na página do jornal semanal Brasil de Fato (http://www.brasildefato.com.br/) em 18/06/2010.

Todas as fotos aqui exibidas são minhas.

Em defesa do meio ambiente brasileiro e da produção de alimentos saudáveis


No último dia 09 de junho de 2010, o Dep. Federal Aldo Rebelo (PCdoB/SP) apresentou o seu relatório à Comissão Especial, criada na Câmara dos Deputados, para analisar o Projeto de Lei nº. 1876/99 e outras propostas de mudanças no Código Florestal e na Legislação Ambiental brasileira. O referido relatório, de mais de 250 páginas, apresenta a proposta de substituição do Código Florestal (Lei nº. 4.771, de 15 de setembro de 1965).

Apesar de ser de 1965, o Código Florestal é bastante atual, pois está baseado em uma série de princípios que respondem às principais preocupações em torno do uso sustentável do meio ambiente.

Nesse sentido, as entidades populares, agrárias e ambientalistas, reconhecendo a necessidade de atualizar as leis, sempre defenderam o aperfeiçoamento do Código Florestal, especialmente para adequá-lo à realidade da agricultura familiar e camponesa. Há a concreta necessidade de se criar regulamentações que possibilitem ao Código atender às especificidades da agricultura familiar. Além disto, é essencial uma série de políticas públicas de fomento, crédito, assistência técnica, agroindustrialização e comercialização, as quais garantirão o uso sustentável das áreas de reserva legal e proteção permanente.

Estas mudanças, no entanto, são muito distintas das propostas no Projeto de Lei (PL). Isso porque, segundo cálculos de algumas entidades da área ambiental, a aplicação do mesmo resultará na emissão entre 25 bilhões a 30 bilhões de toneladas de gás carbônico só na Amazônia. Isso representa em torno de seis vezes a redução estimada de emissões por desmatamento que o Brasil estabeleceu como meta. Consequentemente, esta emissão impediria o país de cumprir esta meta assumida na conferência do clima de Copenhague.

Podemos afirmar que todo o texto do Projeto de Lei é insatisfatório, privilegiando exclusivamente os desejos das forças mais arcaicas do Brasil: os latifundiários. Dentre os principais pontos crítico do PL, podemos citar:: anistia completa aos desmatadores; a abolição da Reserva Legal para agricultura familiar; a possibilidade de compensação desta Reserva fora da região ou da bacia hidrográfica; e a transferência do arbítrio ambiental para os Estados e Municípios.

Primeiro, de acordo com o substitutivo, a responsabilidade de regulamentação ambiental passará para os estados. É fundamental entendermos que os biomas e rios não estão restritos aos limites de um ou dois Estados, portanto, não é possível pensar em leis estaduais distintas capazes de garantir a preservação dos mesmos. Por outro lado, esta estadualização representa, na prática, uma flexibilização da legislação, pois segundo o próprio texto, há a possibilidade de redução das áreas de Preservação Permanentes em até a metade se o estado assim o entender.

Em segundo lugar, o Projeto acaba por anistiar todos os produtores rurais que cometeram crimes ambientais até 22 de julho de 2008. Os desmatadores que descumpriram o Código Florestal terão cinco (5) para se ajustar à nova legislação, sendo que os mesmos não poderão ser multados neste período de moratória e ficam também cancelados embargos e termos de compromisso assinados por produtores rurais por derrubadas ilegais. A recuperação dessas áreas deverá ser feita no longínquo prazo de 30 anos!

Em terceiro lugar, o Projeto desobriga a manutenção de Reserva Legal para propriedades até quatro (4) módulos fiscais, as quais representam em torno de 90% dos imóveis rurais no Brasil. Essa isenção significa, por exemplo, que imóveis de até 400 hectares podem ser totalmente desmatados na Amazônia – já que cada módulo fiscal tem 100 hectares na região –, o que poderá representar o desmatamento de aproximadamente 85 milhões de hectares. É fundamental entendermos que a Constituição Federal estabeleceu a Reserva Legal a partir do princípio de que florestas, o meio ambiente e o patrimônio genético são interesses difusos, pertencente ao mesmo tempo a todos e a cada cidadão brasileiro indistintamente. E é fundamental ter claro que nenhum movimento social do campo apresentou como proposta essa abolição da RL, sempre discutindo sobre a redução de seu tamanho (percentagem da área total, principalmente na Amazônia) ou sobre formas sustentáveis de exploração e sistemas simplificados de autorização para essa atividade.

Ainda sobre a Reserva Legal, o texto estabelece que, nos casos em que a mesma deve ser mantida, a compensação poderá ser feita fora da região ou bacia hidrográfica. Além disso, esta recomposição poderá ser feita por meio do plantio de espécies exóticas. Isso significa que a supressão de vegetação nativa pode ser compensada, por exemplo, por monoculturas de eucaliptos, pinus, ou qualquer outra espécie, descaracterizando o bioma e empobrecendo a biodiversidade.

O Projeto de Lei traz ainda uma conseqüência nefasta, ou seja, a anistia dos desmatadores ou a isenção em respeitar o mínimo florestal por propriedade, destrói a possibilidade de desapropriação daquelas propriedades que não cumprem a sua função ambiental ou sócio-ambiental, conforme preceitua a Constituição Federal em seu art. 186, II.

Em um momento onde toda a humanidade está consciente da crise ambiental planetária e lutando por mudanças concretas na postura dos países, onde o próprio Brasil assume uma posição de defesa das questões ecológicas nacionais e globais, é totalmente inadimissível que retrocedamos em uma legislação tão importante como o Código Florestal. É inaceitável que uma legislação de 1965 seja mais moderna, ética e preocupada com o futuro da sociedade brasileira do que uma proposta de 2010.

A proposta do deputado Aldo Rebelo atenta violentamente contra a sua história de engajamento e dedicação às questões da sociedade brasileira. Ao defender um falso nacionalismo, o senhor deputado entrega as florestas brasileiras aos grandes latifundiários e à expansão desenfreada do agronegócio. Ao buscar combater supostas influencias de ONGs internacionais, se esquece que na realidade que é internacional é o agronegócio brasileiro, subordinado ao capital financeiro estrangeiro e às transnacionais do setor agropecurário e agroquímico. A sua postura em defesa do agronegócio o coloca imediatamente contrário à agricultura camponesa e familiar, a qual diz defender.

Por isso, nós, intelectuais, artistas e organizações sociais abaixo-assinadas, exigimos a total rejeição do Projeto de Lei de autoria do deputado Aldo Rebelo.

VIA CAMPESINA
MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS SEM TERRA
MPA – MOVIMENTO DOS PEQUENOS AGRICULTORES
MMC – MOVIMENTO DAS MULHERES CAMPONESAS
FETRAF – FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA FAMILIAR
CIMI – CENTRO INDIGENÍSTA MISSIONÁRIO
CPT – COMISSÃO PASTORAL DA TERRA
CNASI – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE ASSOCIAÇÕES DOS SERVIDORES DO INCRA

http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/analise/nao-ao-substitutivo-do-codigo-florestal/view

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Viajo porque preciso, volto porque te amo


   Essa semana revi o excelente filme brasileiro Viajo porque preciso, volto porque te amo (Karim Ainouz e Marcelo Gomes) e gostei ainda mais do que na primeira vez. Texto forte e profundo, imagens belíssimas, fotografia arrojada, formato ousado. E, claro, o tema viagem se apresenta a todo instante. Viagem de afastamento, de fuga, de descobertas interiores, mas viagem. E que viagem!
   É sempre gratificante apreciar aquelas paisagens sertanejas, pelas quais tantas e tantas vezes cruzei de norte a sul, de leste a oeste. E, assim como o personagem, embora por motivações diferentes, mantive contato com a população comum, e por isso mesmo mais interessante. Sempre aprendo com esses cidadãos comuns um pouco mais da verdadeira realidade e culturas nordestinas, bem distantes dos cartões postais das agências de turismo de massa ou mesmo das matérias pseudo-jornalísticas que descrevem de maneira sensasionalista somente as misérias da região.
   Às vezes tenho a impressão que o cinema brasileiro, de ficção e documentários, exceção feita aos filmes descartáveis de produção global, é o que melhor tem contribuído para a sétima arte. Basta retirar os últimos preconceitos que ainda restam em relação à produção nacional, escolher uma boa sala de cinema que privilegie o som das vozes dos atores e não firulas desnecessárias, para reconhecer que a qualidade dos filmes brasileiros se equiparam, e muitas vezes superam, filmes estrangeiros lançados com toda a bajulação da mídia comercial.
   E o sertão nordestino, com aquelas pessoas fascinantes, paisagens deslumbrantes, culturas diversificadas... Pensando bem, preciso voltar lá logo, logo...

   Todas as fotos aqui exibidas são minhas.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Os Mitos do Turismo (parte 4/4 - Propostas)

Não basta constatar, analisar e criticar a situação atual do mitos do turismo vendidos pelo sistema. É preciso apontar propostas para sair desse círculo vicioso. Abaixo seguem sugestões para um turismo sustentável e a serviço das comunidades. A fonte do texto permanece a mesma citada na primeira parte desta série Os Mitos do Turismo.

Ainda que acréscimos e melhorias possam e devam aparecer, a atualidade e similaridade dos mitos e das propostas aqui apresentadas com a situação no Brasil são espantosas.

Boa leitura e mãos à obra!!!

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PROPOSTAS


Frente aos impactos negativos que determinadas formas de desenvolvimento turístico provocam entendemos que temos que resistir, fazer frente à venda e privatização dos nossos territórios e de nosso patrimônio. As comunidades têm direito de dizer não ao turismo, se assim decidirem.

Ao mesmo tempo, e se as pessoas desejam, determinadas formas de desenvolvimento turístico podem ser uma forma de diversificar e complementar as economias locais. O Turismo Comunitário pode ser a melhor forma de pôr em marcha atividades turísticas pelas comunidades rurais. Isso quer dizer:

- Um turismo gerido em comunidades rurais pelas famílias camponesas, por cooperativas agropecuárias, por povos indígenas.

- Um turismo complementar às atividades produtivas tradicionais, como a agricultura ou a pesca, não como substituto, mas como parte de uma estratégia de diversificação econômica.

- Um turismo de pequeno porte, e no qual a população local, através de suas estruturas organizativas, exerça um papel fundamental no seu controle e gestão.

- Um turismo que reforce instrumentos de organização coletiva.

- Um turismo que contribua para a manutenção da propriedade dos recursos essenciais, como a terra e a água, por exemplo, nas mãos das comunidades rurais, e que possa fazer parte de uma estratégia de resistência frente à pressão dos mega projetos turísticos e imobiliários que tratam de se instalar nos melhores lugares do território.

- Um turismo que vise a distribuição eqüitativa dos benefícios.

O Turismo Comunitário começa a ser uma realidade na América Latina. Povos indígenas e comunidades de camponeses de diversas partes da América Latina têm dado forma a esta proposta. Nesse sentido se destacam a “Declaração de Otavalo de turismo comunitário, sustentável, competitivo e com identidade” (setembro de 2001) e a “Declaração de San José sobre turismo rural e comunitário” (outubro de 2003).

Através dessas declarações as organizações de povos indígenas e comunidades rurais assinantes declararam o desejo de que o turismo possa incluir melhoras em suas condições de vida e trabalho na medida que seja uma atividade “socialmente solidária, ambientalmente responsável, culturalmente enriquecedora e economicamente viável”. E isso passa necessariamente, entre outras coisas, pela justa distribuição dos seus benefícios.

O Turismo Comunitário implica na autogestão da atividade turística, de tal forma que a comunidade assuma o controle de todos os processos de planejamento, operação, supervisão e desenvolvimento. Afirma-se assim a reivindicação do direito à propriedade e o uso das terras em territórios nas mãos das comunidades camponesas e povos indígenas:

Consideramos que ao empreender qualquer atividade econômica, o turismo em particular, deve-se adotar uma política de planejamento e gestão sustentável dos recursos naturais. Queremos ser cautelosos no momento de construir nova infraestrutura ou de ampliar a existente. Recusamos vender ou ceder em concessão nossas terras a pessoas que não sejam de nossas comunidades. Desaprovamos toda decisão que contrarie este princípio” (Declaração de San José).

O Turismo Comunitário pode abraçar e estabelecer alianças com pequenas e médias empresas nacionais com o objetivo de elaborar uma proposta turística atrativa e economicamente sustentável.

Façamos nossas próprias propostas e nos juntemos às redes de turismo rural e comunitário”.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Os Mitos do Turismo (parte 3/4)


Aqui vai a continuação da série Os Mitos do Turismo. Postei os três últimos mitos, 7, 8 e 9. Boa leitura e boas reflexões sobre o tema:



Sétimo Mito: FAVORECE O INTERCÂMBIO CULTURAL

Comumente se pensa que o turismo ajuda as pessoas no mundo a se conhecerem melhor e a romper os estereótipos culturais. Acredita-se que o turismo permite que os turistas e as pessoas do local conheçam outras maneiras de viver, de entender a realidade, de crenças e costumes.

O turismo pode ajudar no intercâmbio de informações, inclusive quando não existe uma comunicação oral pelas limitações do idioma, ou o turista permanece fechado numa redoma cultural como acontece nas viagens organizadas, ou no caso dos resorts “tudo incluído”, enclaves que oferecem restaurante e serviços de lazer necessários para passar as férias sem ter que sair do recinto do hotel. O problema é que a informação que se transmite pode chegar deformada.

O turista se aproxima dos lugares com uma imagem pré-definida do que vai encontrar. Essa imagem é difícil de romper, ainda mais quando a população e as operadoras de turismo locais se adaptaram a ela para assegurar o fluxo de turistas. Ou então, quando o turista aparece muitas vezes aos olhos das pessoas do local somente como um consumidor que conta com uma capacidade econômica e tempo para o lazer, quer dizer, como uma fonte de recursos. Desta maneira, uns criam estereótipos dos outros, e, quando tentam se relacionar, eles o fazem a partir de preconceitos.

Por exemplo, a difícil situação que se deparou Cuba com o fim da “Guerra Fria” favoreceu o reaparecimento da prostituição como oferta para os estrangeiros. Uma prostituição conhecida como “jineterismo”. O governo cubano reagiu estabelecendo duras medidas repressivas contra essa atividade. Essa política não foi capaz de freá-la, mas sim favoreceu a formação de um setor social marginal que se dedica à prostituição e a outros “negócios” com os estrangeiros. Diante dessa situação, boa parte da população cubana, especialmente a feminina, sobretudo nas regiões mais turísticas, acabou restringindo o contato com estrangeiros sob o temor de ser confundia e tachada de “jineteras”. Isso levou a que esse setor marginal tenha monopolizado as relações com os turistas, e que estes regressem a seus paises de origem com a idéia de que a maioria das mulheres cubanas é “jinetera”.

Em pouco tempo se consolidou a imagem de Cuba como a de um paraíso para o turismo sexual. Por outro lado, também se formou a imagem do turista em Cuba como alguém que vem em busca de sexo. E ambos os estereótipos se alimentam mutuamente: cada vez são mais os turistas que visitam Cuba com objetivos manifestadamente sexual e a oferta sexual é a primeira que recebe o turista nas ruas de Havana e de outros pontos turísticos do país.

A relação que se estabelece entre o turista e a população anfitriã, portanto, só pode se tornar deformada. Fatores que dificultam o intercâmbio, como o tipo de viagem, sua curta duração, a existência de preconceitos anteriores ao contato ou os obstáculos culturais e lingüísticos, podem levar, tanto o habitante local como o turista, a recolherem pinceladas descontextualizadas de informação, e acabam criando ou consolidando características e imagens estereotipadas do “outro”, que se supunha que o turismo deveria combater.

Oitavo Mito: É A CHAVE DO DESENVOLVIMENTO

Muitos políticos dizem que o turismo pode ser o motor do desenvolvimento dos países, ou inclusive de uma determinada região, e que temos que apostar todas as nossas fichas porque ali está nossa salvação.

Sem dúvidas, em determinadas regiões onde o turismo se desenvolveu podemos observar como ele acabou gerando problemas muito similares aos gerados pelas economias agro-exportadoras baseadas em monoculturas como o algodão, o açúcar, o café e muitas outras, sobre as quais sabemos muito bem na América Central e no Caribe.

Por exemplo, a especialização turística, da mesma forma que as monoculturas, depende fortemente dos preços do mercado internacional, muito flutuantes e que se estabelecem nos lugares de origem dos turistas e que, sobre os quais, nossos países não possuem nenhum controle. Então, quando sobem os preços dos combustíveis e os bilhetes aéreos ficam mais caros pode diminuir drasticamente a chegada de turistas.

Essa escassa diversificação impede que a região possa reagir caso ocorra algum problema com o turismo.

Além disso, há outro problema que os políticos raramente dizem. Os destinos turísticos têm um ciclo de vida. Não podem crescer sempre, indefinidamente. No final o próprio desenvolvimento turístico esgota as possibilidades para que o negócio continue.

Nono Mito: REDUZ A POBREZA

Ultimamente, um dos mitos que mais se escuta é que o crescimento do turismo gerará bem estar ao conjunto da população e ajuda a reduzir a pobreza. Na comunidade internacional está na moda o chamado enfoque “pró-pobre”. Esta teoria considera que o crescimento da atividade turística, de qualquer tipo, pode reduzir a pobreza e, portanto, estimular propostas para que os “pobres” possam participar nessa fonte de riqueza.

O enfoque “pró-pobre” parte de uma visão equivocada, ao nosso ver. Não considera, nem quantifica, os impactos negativos que o turismo pode gerar, que, como vimos, não são poucos. Além disso, parte de uma visão muito simples de pobreza. A pobreza não depende apenas da quantidade de dinheiro obtido e do nível de bem estar alcançado, mas sim do papel das pessoas dentro da sociedade. Se a entrada de dinheiro não vem acompanhada de uma redução das desigualdades e de maior poder para decidir sobre as coisas que afetam as pessoas, então não há redução real de pobreza, as pessoas sempre se mantêm em uma situação de marginalidade frente aos que têm o poder. O enfoque “pró-pobre” não leva em conta esse problema e, de fato, com suas aplicações, vai acabar ajudando a aumentar as diferenças sócio-econômicas entre os de cima e os de baixo.

Pois guarde o que as pessoas das comunidades garifunas da Baía de Tela, em Honduras, nos contaram que eles estão lutando contra um mega projeto turístico que lhes querem impor. Contaram que esse projeto se chamava “Los Micos Beach & Resort Centre”, como se as pessoas dali fossem macacos! Pois bem, acontece que enquanto eles estão no meio da luta, uns da comunidade, holandeses parece, andam apoiando a construção do resort porque vai reduzir a pobreza, dizem”.

O papel do turismo na redução da pobreza, na realidade, é muito mais complicado. O turismo, como qualquer outro setor econômico, pode contribuir para o desenvolvimento de uma região ou gerar impactos altamente negativos. Tudo depende do modelo aplicado e de sua gestão. Mas, historicamente, a tendência tem sido provocar mais problemas que soluções, especialmente aos setores da população mais vulneráveis e aos ecossistemas. A relação entre o turismo e a redução da pobreza é mais complexa.

Devemos entender o turismo como um espaço de conflito social. Em torno da gestão e da escolha do modelo da atividade turística entram em competição e contradição diferentes interesses de setores sociais distintos: pelo uso dos recursos naturais, econômicos e humanos, pela divisão dos benefícios ou pela distribuição dos efeitos colaterais que o turismo gera.

Continua...

Os Mitos do Turismo (parte 2/4)


Aqui vai a continuação da série Os Mitos do Turismo. Postei os mitos 3, 4, 5 e 6. Boa leitura e boas reflexões sobre o tema:

Terceiro Mito: MODERNIZA INFRAESTRUTURAS

Foi dito que o desenvolvimento do turismo permite a modernização das infraestruturas, especialmente as de transporte: estradas, aeroportos e portos. Porém essa modernização se realiza segundo as prioridades turísticas e não buscando um desenvolvimento local equilibrado com as atividades produtivas.

Outra coisa que pode acontecer é que as obras caras que foram construídas com dinheiro público atendem apenas a uma minoria. Os gastos são públicos, mas, sem dúvida, o beneficio é privado.

Quando um local turístico perde clientes, ou diminuem as visitas, as estruturas e construções podem ficar sem nenhuma utilidade, ou serem demasiado grandes e caras para sua manutenção. Sem falar no impacto ecológico que provoca. O país sofre a perda dessas obras que, na maioria, foram construídas com dinheiro público.

Eu estive na Costa Rica. Trabalhei em Tamarindo, no litoral. O lugar era muito bonito, mas um dia conheci uma senhora que era professora e me contou que as pessoas na comunidade de Lorena estavam muito indignadas com os donos do Hotel Meliá Conchal. Acontece que um dia descobriram que os donos do hotel desejavam desviar a água do aqüífero Nimboyores para distribuir para eles. E iam deixar a população da comunidade sem água! Mas a senhora me contou que a comunidade se organizou, protestou muito e conseguiu que, pelo menos por enquanto, o hotel não os incomodasse mais”.

Quarto Mito: DÁ MAIS VALOR AOS RECURSOS LOCAIS

Diz-se que o turismo contribui para dar mais valor aos recursos locais (como a terra e a água, por exemplo). Sem dúvida, essa valorização muitas vezes vem acompanhada da elevação dos preços. O crescimento do número de turistas pode fazer com que subam os preços de produtos e serviços, como comer em restaurantes ou lavar a roupa em uma lavanderia.

O aumento do preço da terra, por exemplo, pode ter efeitos negativos. Por um lado, alguns setores da população podem se ver obrigados a emigrar, talvez não por falta de emprego ou desejo de melhorar economicamente, mas sim porque o preço da terra e da habitação aumentou tanto que ultrapassa o próprio poder aquisitivo. Por outro lado, pode levar ao abandono de setores produtivos tradicionais como a agricultura: quando o preço da terra ultrapassa determinado valor, ao trabalhador rural acaba sendo mais vantajoso vender sua propriedade do que ficar trabalhando na terra.

O processo de elevação dos preços também se dá nos bens e serviços de consumo. Tanto nas zonas rurais como nas cidades, espaços que antes eram para todos acabam sendo somente para turistas, devido aos altos preços dos serviços ali oferecidos: acesso a praias, comida, sacadas de bares, restaurantes em zonas centrais, etc..

Um dia nos fomos com a família passear em Granada e ver como a cidade está bonita. Mas no centro não havia onde comer, tudo estava em dólares e era caríssimo. No final, comemos onde uma senhora, já bastante longe, nos contou que a maioria das casas no centro de Granada está ocupada por estrangeiros e que ninguém pode viver ali, que tudo é muito caro”.

Quinto Mito: EQUILIBRA A BALANÇA DE PAGAMENTOS

Crê-se que o turismo equilibra a balança de pagamentos de um país, ou seja, a relação da quantidade de dinheiro que um país gasta no exterior e a quantidade de dinheiro que vem de outros paises. Trata-se de um recurso fácil e rápido de explorar, que gera receitas muito superiores ao investimento necessário. Muitos governos o consideram como a melhor forma de pagar a sua dívida externa.

Porém o certo é que são as transnacionais do turismo de capital ocidental, proprietárias das principais companhias aéreas e das grandes redes de hotéis, as que controlam, gerenciam e retém a maior parte dos lucros do turismo internacional (fugas externas).

Esta remessa de lucros se acentuou desde a década de 1980 e de 1990, devido às privatizações e à abertura de mercados propiciada pelas políticas neoliberais que os paises do hemisfério Sul foram obrigados a adotar. O Acordo Geral Sobre Comércio de Serviços, estabelecido há alguns anos pela OMC (Organização Mundial do Comércio), está sendo a última fase desse processo. O Acordo pretende acabar com políticas protecionistas que permitiram a alguns países manter certo controle sobre o setor turístico mediante diversos mecanismos, como a restrição à propriedade estrangeira. O Acordo garante às empresas estrangeiras os mesmos direitos que às empresas locais e as libera de todas as restrições, como a obrigação de utilizar produtos locais.

O resultado é que boa parte dos gastos realizados pelos turistas acaba engrossando as economias dos países ricos. Em média, 55% do gasto realizado pelos turistas em suas viagens a paises do hemisfério Sul permanece ou retorna aos paises do hemisfério Norte, porcentagem que atinge 75% em alguns países da África e Caribe. Somente uma parte marginal dos benefícios fica nos países anfitriões.

O dinheiro é levado pelas empresas estrangeiras como a rede Hilton, da família da perua que nunca trabalha e vai herdar tudo”.

Sexto Mito: PROTEGE O MEIO AMBIENTE

Afirma-se que o turismo é uma indústria “limpa”, que favorece a preservação do meio ambiente. Até o denominam de “indústria sem chaminés”. Sem dúvida, o turismo de massas tem se mostrado muito agressivo como os ecossistemas e com os recursos naturais, já que se baseia numa intensa concentração de pessoas e serviços em um espaço limitado, com necessidades e exigências superiores àquelas que podem oferecer os recursos naturais, tais como eram utilizados anteriormente.

Por exemplo, no litoral o ecossistema de praia natural se perde em favor de uma determinada concepção estética de praia recreativa. De imediato se destroem os manguezais, uma das principais barreiras naturais contra os maremotos e furacões. Limpam-se as praias e removem suas areias com freqüência, impedindo o crescimento de vegetação própria das praias. E tudo para que o turista veja a praia bonita, tal como aparece nas fotos dos catálogos publicitários.

O caso da água é exemplar: quanto maior a população, maior o consumo de água. Quando se supera a capacidade hídrica da região, as populações próximas, os ecossistemas ou setores como a agricultura, se vêem com pouca quantidade de água e abaixo de suas necessidades.

Os núcleos turísticos geram enorme quantidade de resíduos e emissão de gases poluentes que podem diminuir a qualidade do ar e da água. Nas primeiras fases do desenvolvimento turístico, a não ser que previamente se estabeleça um ritmo de crescimento, os resíduos são assimilados de maneira tradicional pela própria região turística, lançando-os nos rios e mar.

O meu tio me disse que em Cancun, na alta temporada, talvez haja uns 50.000 turistas e na cidade cerca de 800.000 pessoas. Um grupo ecológico fez um estudo e comprovou que esta quantidade de turistas gerava a mesma quantidade de lixo que toda a população de Cancun. Ele me contou que entregam aos turistas as coisas sempre empacotadas. Atende-los assim gera muito lixo e que quando eles partem, claro, não lhes entregam sacos para eles levarem de volta o lixo às suas casas. Assim os hotéis enchem caminhões e caminhões de lixo”.

Continua...

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Os Mitos do Turismo (parte 1/4)


Eis aí um texto muito didático, simples e que toca em pontos fundamentais da questão dos mitos do turismo. É de uma entidade nicaraguense que o elaborou na forma de uma cartilha de fácil entendimento. Acho que se aplica como uma luva ao Brasil. Segue abaixo a tradução livre de parte do obtido no endereço : http://www.fundacionluciernaga.org/download/comic.pdf. Lá também há desenhos bastante explicativos.

Para a postagem não ficar muito longa, aparesentarei o texto em partes.

Todas as fotos aqui exibidas são minhas.

Boa leitura e ótimas reflexões.

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INTRODUÇÃO


Do turismo se dizem muitas coisas. Algumas certas, outras falsas. Há aqueles que estão interessados em apresentá-lo como a tábua de salvação para um país. Consideram que não há outra alternativa e que o turismo resolverá todos os males. E se é assim, dizem, tem que fazer qualquer coisa para atrair os investimentos estrangeiros. Os argumentos que eles utilizam são variados.
 

OS MITOS DO TURISMO

Primeiro Mito: GERAR EMPREGOS

O turismo é considerado como um setor que gera muitos empregos, tanto nos postos que requerem as instalações turísticas (hotéis, apartamentos, restaurantes), como nos que facilitam a chegada dos turistas (construção civil, transportes, agências de turismo, casas de cambio, seguros) e os que surgem da demanda dos empregados diretos e indiretos do turismo (comércio, bancos, espetáculos, etc.).

Porém nem tudo é tão bonito. Deve-se olhar mais longe e observar como são esses empregos.

Quanto às características dos empregos:

Inicialmente, boa parte das vagas que o turismo cria requer pouca qualificação (seja nos trabalhos da construção ou nos escritórios). Mas logo a situação se complica.

Quando um lugar se desenvolve turisticamente é necessária mais qualificação e profissionalismo para manter o prestigio e poder competir com outros destinos turísticos. Então exige pessoal mais preparado. E esta necessidade se preenche trazendo gente de fora do lugar, ou até de fora do país, ou investindo na população local. Surgem assim escolas de construção civil, faculdades de turismo, de administração de empresas, escolas de idiomas, etc.. Porém, a maior parte do capital investido na formação dos trabalhadores não vem das empresas (que são as que mais se beneficiam dela), mas sim do Estado (no caso das universidades e escolas públicas) e muitas vezes dos próprios bolsos dos estudantes que se formam.

Quando a população local consegue os empregos qualificados, as funções mais simples são assumidas por imigrantes de regiões e países mais pobres, de maneira que a estrutura social se torna mais complexa, com o aparecimento na região de um grupo de população imigrante muitas vezes de poucos recursos e marginalizada.

Quanto às condições de trabalho:

O emprego não qualificado do turismo se caracteriza por baixos salários, ocupações temporárias, alta rotatividade, longas jornadas de trabalho e escassas condições de segurança. Isto é grave principalmente na construção civil.

Além disso, os trabalhadores encontram dificuldades de defender seus direitos. Muitas vezes os sindicatos são proibidos nos lugares turísticos ou são sindicatos pelegos e corruptos a serviço das empresas.

E também o emprego no turismo é muito instável, já que é um setor fortemente dependente do exterior, como, por exemplo, quando aumenta o preço dos combustíveis, sobem os preços das passagens aéreas a um determinado destino e cai o número de turistas.

“Meu tio que vive no México me contou que em Cancun os trabalhadores que protestam contra algo são demitidos e postos em listas negras, não encontrando mais emprego na cidade. Além disso, as pessoas vivem em bairros periféricos por anos, sem água, enquanto juntam dinheiro para comprar sua própria casa. Mas muitos passam a vida toda nesses infernos. Que horrível!”.

Segundo Mito: IMPULSIONA OUTRAS ATIVIDADES

Diz-se que o turismo impulsiona outras atividades produtivas, como, por exemplo, a construção civil. Mas, ao mesmo tempo, o turismo põe em risco outras atividades tradicionais, geralmente do setor primário, a agricultura ou a pesca, na competição por recursos naturais como terra e água.

O turismo pode alterar a maneira da orientação dos gastos públicos, favorecendo aqueles serviços de maior interesse para o setor turístico e prejudicando os demais. De fato, o turismo se sustenta muitas vezes graças ao uso de dinheiro público.

A criação de empregos no turismo muitas vezes passa pelo abandono de setores tradicionais como a agricultura e a pesca. Nesses casos, não é que o turismo gere novos empregos, mas sim que substitui os que já existiam e incentiva o êxodo rural. Isto pode causar um desequilíbrio geográfico: zonas rurais abandonadas e crescimento desordenado nas periferias dos núcleos turísticos.

“Pois eu conheci uma garota da República Dominicana que me contou que lá muitos trabalhadores rurais tiveram que abandonar suas terras. E que já não podem viver da agricultura porque o seu governo forçou tanto a importação de alimentos dos Estados Unidos que os camponeses dominicanos não conseguem sobreviver. Assim muitos foram viver nas cidades ou perto das zonas hoteleiras e ali tentam ganhar a vida como podem”.

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Continua...