segunda-feira, 14 de junho de 2010

Os Mitos do Turismo (parte 3/4)


Aqui vai a continuação da série Os Mitos do Turismo. Postei os três últimos mitos, 7, 8 e 9. Boa leitura e boas reflexões sobre o tema:



Sétimo Mito: FAVORECE O INTERCÂMBIO CULTURAL

Comumente se pensa que o turismo ajuda as pessoas no mundo a se conhecerem melhor e a romper os estereótipos culturais. Acredita-se que o turismo permite que os turistas e as pessoas do local conheçam outras maneiras de viver, de entender a realidade, de crenças e costumes.

O turismo pode ajudar no intercâmbio de informações, inclusive quando não existe uma comunicação oral pelas limitações do idioma, ou o turista permanece fechado numa redoma cultural como acontece nas viagens organizadas, ou no caso dos resorts “tudo incluído”, enclaves que oferecem restaurante e serviços de lazer necessários para passar as férias sem ter que sair do recinto do hotel. O problema é que a informação que se transmite pode chegar deformada.

O turista se aproxima dos lugares com uma imagem pré-definida do que vai encontrar. Essa imagem é difícil de romper, ainda mais quando a população e as operadoras de turismo locais se adaptaram a ela para assegurar o fluxo de turistas. Ou então, quando o turista aparece muitas vezes aos olhos das pessoas do local somente como um consumidor que conta com uma capacidade econômica e tempo para o lazer, quer dizer, como uma fonte de recursos. Desta maneira, uns criam estereótipos dos outros, e, quando tentam se relacionar, eles o fazem a partir de preconceitos.

Por exemplo, a difícil situação que se deparou Cuba com o fim da “Guerra Fria” favoreceu o reaparecimento da prostituição como oferta para os estrangeiros. Uma prostituição conhecida como “jineterismo”. O governo cubano reagiu estabelecendo duras medidas repressivas contra essa atividade. Essa política não foi capaz de freá-la, mas sim favoreceu a formação de um setor social marginal que se dedica à prostituição e a outros “negócios” com os estrangeiros. Diante dessa situação, boa parte da população cubana, especialmente a feminina, sobretudo nas regiões mais turísticas, acabou restringindo o contato com estrangeiros sob o temor de ser confundia e tachada de “jineteras”. Isso levou a que esse setor marginal tenha monopolizado as relações com os turistas, e que estes regressem a seus paises de origem com a idéia de que a maioria das mulheres cubanas é “jinetera”.

Em pouco tempo se consolidou a imagem de Cuba como a de um paraíso para o turismo sexual. Por outro lado, também se formou a imagem do turista em Cuba como alguém que vem em busca de sexo. E ambos os estereótipos se alimentam mutuamente: cada vez são mais os turistas que visitam Cuba com objetivos manifestadamente sexual e a oferta sexual é a primeira que recebe o turista nas ruas de Havana e de outros pontos turísticos do país.

A relação que se estabelece entre o turista e a população anfitriã, portanto, só pode se tornar deformada. Fatores que dificultam o intercâmbio, como o tipo de viagem, sua curta duração, a existência de preconceitos anteriores ao contato ou os obstáculos culturais e lingüísticos, podem levar, tanto o habitante local como o turista, a recolherem pinceladas descontextualizadas de informação, e acabam criando ou consolidando características e imagens estereotipadas do “outro”, que se supunha que o turismo deveria combater.

Oitavo Mito: É A CHAVE DO DESENVOLVIMENTO

Muitos políticos dizem que o turismo pode ser o motor do desenvolvimento dos países, ou inclusive de uma determinada região, e que temos que apostar todas as nossas fichas porque ali está nossa salvação.

Sem dúvidas, em determinadas regiões onde o turismo se desenvolveu podemos observar como ele acabou gerando problemas muito similares aos gerados pelas economias agro-exportadoras baseadas em monoculturas como o algodão, o açúcar, o café e muitas outras, sobre as quais sabemos muito bem na América Central e no Caribe.

Por exemplo, a especialização turística, da mesma forma que as monoculturas, depende fortemente dos preços do mercado internacional, muito flutuantes e que se estabelecem nos lugares de origem dos turistas e que, sobre os quais, nossos países não possuem nenhum controle. Então, quando sobem os preços dos combustíveis e os bilhetes aéreos ficam mais caros pode diminuir drasticamente a chegada de turistas.

Essa escassa diversificação impede que a região possa reagir caso ocorra algum problema com o turismo.

Além disso, há outro problema que os políticos raramente dizem. Os destinos turísticos têm um ciclo de vida. Não podem crescer sempre, indefinidamente. No final o próprio desenvolvimento turístico esgota as possibilidades para que o negócio continue.

Nono Mito: REDUZ A POBREZA

Ultimamente, um dos mitos que mais se escuta é que o crescimento do turismo gerará bem estar ao conjunto da população e ajuda a reduzir a pobreza. Na comunidade internacional está na moda o chamado enfoque “pró-pobre”. Esta teoria considera que o crescimento da atividade turística, de qualquer tipo, pode reduzir a pobreza e, portanto, estimular propostas para que os “pobres” possam participar nessa fonte de riqueza.

O enfoque “pró-pobre” parte de uma visão equivocada, ao nosso ver. Não considera, nem quantifica, os impactos negativos que o turismo pode gerar, que, como vimos, não são poucos. Além disso, parte de uma visão muito simples de pobreza. A pobreza não depende apenas da quantidade de dinheiro obtido e do nível de bem estar alcançado, mas sim do papel das pessoas dentro da sociedade. Se a entrada de dinheiro não vem acompanhada de uma redução das desigualdades e de maior poder para decidir sobre as coisas que afetam as pessoas, então não há redução real de pobreza, as pessoas sempre se mantêm em uma situação de marginalidade frente aos que têm o poder. O enfoque “pró-pobre” não leva em conta esse problema e, de fato, com suas aplicações, vai acabar ajudando a aumentar as diferenças sócio-econômicas entre os de cima e os de baixo.

Pois guarde o que as pessoas das comunidades garifunas da Baía de Tela, em Honduras, nos contaram que eles estão lutando contra um mega projeto turístico que lhes querem impor. Contaram que esse projeto se chamava “Los Micos Beach & Resort Centre”, como se as pessoas dali fossem macacos! Pois bem, acontece que enquanto eles estão no meio da luta, uns da comunidade, holandeses parece, andam apoiando a construção do resort porque vai reduzir a pobreza, dizem”.

O papel do turismo na redução da pobreza, na realidade, é muito mais complicado. O turismo, como qualquer outro setor econômico, pode contribuir para o desenvolvimento de uma região ou gerar impactos altamente negativos. Tudo depende do modelo aplicado e de sua gestão. Mas, historicamente, a tendência tem sido provocar mais problemas que soluções, especialmente aos setores da população mais vulneráveis e aos ecossistemas. A relação entre o turismo e a redução da pobreza é mais complexa.

Devemos entender o turismo como um espaço de conflito social. Em torno da gestão e da escolha do modelo da atividade turística entram em competição e contradição diferentes interesses de setores sociais distintos: pelo uso dos recursos naturais, econômicos e humanos, pela divisão dos benefícios ou pela distribuição dos efeitos colaterais que o turismo gera.

Continua...

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