segunda-feira, 14 de junho de 2010

Os Mitos do Turismo (parte 2/4)


Aqui vai a continuação da série Os Mitos do Turismo. Postei os mitos 3, 4, 5 e 6. Boa leitura e boas reflexões sobre o tema:

Terceiro Mito: MODERNIZA INFRAESTRUTURAS

Foi dito que o desenvolvimento do turismo permite a modernização das infraestruturas, especialmente as de transporte: estradas, aeroportos e portos. Porém essa modernização se realiza segundo as prioridades turísticas e não buscando um desenvolvimento local equilibrado com as atividades produtivas.

Outra coisa que pode acontecer é que as obras caras que foram construídas com dinheiro público atendem apenas a uma minoria. Os gastos são públicos, mas, sem dúvida, o beneficio é privado.

Quando um local turístico perde clientes, ou diminuem as visitas, as estruturas e construções podem ficar sem nenhuma utilidade, ou serem demasiado grandes e caras para sua manutenção. Sem falar no impacto ecológico que provoca. O país sofre a perda dessas obras que, na maioria, foram construídas com dinheiro público.

Eu estive na Costa Rica. Trabalhei em Tamarindo, no litoral. O lugar era muito bonito, mas um dia conheci uma senhora que era professora e me contou que as pessoas na comunidade de Lorena estavam muito indignadas com os donos do Hotel Meliá Conchal. Acontece que um dia descobriram que os donos do hotel desejavam desviar a água do aqüífero Nimboyores para distribuir para eles. E iam deixar a população da comunidade sem água! Mas a senhora me contou que a comunidade se organizou, protestou muito e conseguiu que, pelo menos por enquanto, o hotel não os incomodasse mais”.

Quarto Mito: DÁ MAIS VALOR AOS RECURSOS LOCAIS

Diz-se que o turismo contribui para dar mais valor aos recursos locais (como a terra e a água, por exemplo). Sem dúvida, essa valorização muitas vezes vem acompanhada da elevação dos preços. O crescimento do número de turistas pode fazer com que subam os preços de produtos e serviços, como comer em restaurantes ou lavar a roupa em uma lavanderia.

O aumento do preço da terra, por exemplo, pode ter efeitos negativos. Por um lado, alguns setores da população podem se ver obrigados a emigrar, talvez não por falta de emprego ou desejo de melhorar economicamente, mas sim porque o preço da terra e da habitação aumentou tanto que ultrapassa o próprio poder aquisitivo. Por outro lado, pode levar ao abandono de setores produtivos tradicionais como a agricultura: quando o preço da terra ultrapassa determinado valor, ao trabalhador rural acaba sendo mais vantajoso vender sua propriedade do que ficar trabalhando na terra.

O processo de elevação dos preços também se dá nos bens e serviços de consumo. Tanto nas zonas rurais como nas cidades, espaços que antes eram para todos acabam sendo somente para turistas, devido aos altos preços dos serviços ali oferecidos: acesso a praias, comida, sacadas de bares, restaurantes em zonas centrais, etc..

Um dia nos fomos com a família passear em Granada e ver como a cidade está bonita. Mas no centro não havia onde comer, tudo estava em dólares e era caríssimo. No final, comemos onde uma senhora, já bastante longe, nos contou que a maioria das casas no centro de Granada está ocupada por estrangeiros e que ninguém pode viver ali, que tudo é muito caro”.

Quinto Mito: EQUILIBRA A BALANÇA DE PAGAMENTOS

Crê-se que o turismo equilibra a balança de pagamentos de um país, ou seja, a relação da quantidade de dinheiro que um país gasta no exterior e a quantidade de dinheiro que vem de outros paises. Trata-se de um recurso fácil e rápido de explorar, que gera receitas muito superiores ao investimento necessário. Muitos governos o consideram como a melhor forma de pagar a sua dívida externa.

Porém o certo é que são as transnacionais do turismo de capital ocidental, proprietárias das principais companhias aéreas e das grandes redes de hotéis, as que controlam, gerenciam e retém a maior parte dos lucros do turismo internacional (fugas externas).

Esta remessa de lucros se acentuou desde a década de 1980 e de 1990, devido às privatizações e à abertura de mercados propiciada pelas políticas neoliberais que os paises do hemisfério Sul foram obrigados a adotar. O Acordo Geral Sobre Comércio de Serviços, estabelecido há alguns anos pela OMC (Organização Mundial do Comércio), está sendo a última fase desse processo. O Acordo pretende acabar com políticas protecionistas que permitiram a alguns países manter certo controle sobre o setor turístico mediante diversos mecanismos, como a restrição à propriedade estrangeira. O Acordo garante às empresas estrangeiras os mesmos direitos que às empresas locais e as libera de todas as restrições, como a obrigação de utilizar produtos locais.

O resultado é que boa parte dos gastos realizados pelos turistas acaba engrossando as economias dos países ricos. Em média, 55% do gasto realizado pelos turistas em suas viagens a paises do hemisfério Sul permanece ou retorna aos paises do hemisfério Norte, porcentagem que atinge 75% em alguns países da África e Caribe. Somente uma parte marginal dos benefícios fica nos países anfitriões.

O dinheiro é levado pelas empresas estrangeiras como a rede Hilton, da família da perua que nunca trabalha e vai herdar tudo”.

Sexto Mito: PROTEGE O MEIO AMBIENTE

Afirma-se que o turismo é uma indústria “limpa”, que favorece a preservação do meio ambiente. Até o denominam de “indústria sem chaminés”. Sem dúvida, o turismo de massas tem se mostrado muito agressivo como os ecossistemas e com os recursos naturais, já que se baseia numa intensa concentração de pessoas e serviços em um espaço limitado, com necessidades e exigências superiores àquelas que podem oferecer os recursos naturais, tais como eram utilizados anteriormente.

Por exemplo, no litoral o ecossistema de praia natural se perde em favor de uma determinada concepção estética de praia recreativa. De imediato se destroem os manguezais, uma das principais barreiras naturais contra os maremotos e furacões. Limpam-se as praias e removem suas areias com freqüência, impedindo o crescimento de vegetação própria das praias. E tudo para que o turista veja a praia bonita, tal como aparece nas fotos dos catálogos publicitários.

O caso da água é exemplar: quanto maior a população, maior o consumo de água. Quando se supera a capacidade hídrica da região, as populações próximas, os ecossistemas ou setores como a agricultura, se vêem com pouca quantidade de água e abaixo de suas necessidades.

Os núcleos turísticos geram enorme quantidade de resíduos e emissão de gases poluentes que podem diminuir a qualidade do ar e da água. Nas primeiras fases do desenvolvimento turístico, a não ser que previamente se estabeleça um ritmo de crescimento, os resíduos são assimilados de maneira tradicional pela própria região turística, lançando-os nos rios e mar.

O meu tio me disse que em Cancun, na alta temporada, talvez haja uns 50.000 turistas e na cidade cerca de 800.000 pessoas. Um grupo ecológico fez um estudo e comprovou que esta quantidade de turistas gerava a mesma quantidade de lixo que toda a população de Cancun. Ele me contou que entregam aos turistas as coisas sempre empacotadas. Atende-los assim gera muito lixo e que quando eles partem, claro, não lhes entregam sacos para eles levarem de volta o lixo às suas casas. Assim os hotéis enchem caminhões e caminhões de lixo”.

Continua...

6 comentários:

  1. O caso de Jeri pra mim é emblemático: há 20 anos atrás era uma vila de pescadores, frequentada apenas por hippies e aventureiros. O turismo de massa "descobriu" ali um filão e hoje Jeri está destruída. A população local foi expulsa, já que ficou caro moral lá e hoje o lugar só tem pousadas de gringos e restaurantes de gringo. O tráfico de droga aumentou e no mês passado, um rapaz morreu atropelado (numa área de preservação ambiental, que deveria ser proibido o uso de carro). Triste...

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  2. Oi Ana,
    Concordo em gênero, número e grau. Aliás, sobre a mesma Jericoacoara eu havia denunciada numa viagem que fiz do Maranhão à Paraíba no início de 2002, passando por diversas localidades do Ceará. Vale a pena ler e confirmar a realidade que você tão bem escancarou e que já engatinhava naqueles tempos. O trecho referente a Jericoacoara começa no meio do relato abaixo:
    http://viajantesustentavel.blogspot.com.br/2011/01/do-maranhao-paraiba-parte-3.html.
    Não desanimemos! Vamos continuar denunciando e alertando os "inocentes".
    Comente sempre!

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  3. Tive a mesma impressão de Jeri, foi decepcionante e até escrevi um post que pouca gente entendeu. Tem pousada hoje em dia lá que cobra 500 US$ a diária. Pra mim é um caso claro onde o turismo foi totalmente destrutivo. http://www.destinodeviagem.com.br/nao-gostei-de-jericoacoara/

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  4. Oi Nivea, obrigado pela visita e pelos comentários.
    Muito triste o que a indústria do turismo fez em Jeri.
    Mais triste ainda sabendo que não se trata de uma caso isolado, seja no Brasil ou em inúmeros destinos turísticos pelo mundo afora.
    Se pessoas críticas como nós, mas principalmente as comunidades afetadas, não se organizarem e apresentarem alternativas sustentáveis, social, cultural, ambiental, economicamente, nem sei o que será dos paraísos remanescentes.
    E o mundo vai ficando cada vez mais homogeneizado e sem graça.
    Não desanimemos e vamos nos manter alertas, sempre denunciando esses crimes e apresentado alternativas viáveis.
    Comente sempre!

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  5. Bem se vê que o turismo, como qualquer outro ramo do capitalismo, só visa o lucro. Jamais se preocupa com a natureza e com as populações originais dos locais visitados. Corroborando esse texto tão esclarecedor, somente as populações tradicionais poderiam administrar a visitação segundo critérios decididos por elas próprias.

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  6. Olá!
    Obrigado pela visita e comentários.
    É por aí mesmo. A obsessão pelo lucro é antagônico com as aspirações das sociedades.
    Comente sempre!

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