segunda-feira, 16 de maio de 2011

Cuba e México (parte 1/2)

Há muito me interessava em tomar contato com a experiência socialista de Cuba. O Brasil não possuía relações diplomáticas com a ilha, ainda sob os resquícios da ditadura civil/militar, submissa ao imperialismo estadunidense. Oficialmente, os brasileiros não teriam autorização de entrar legalmente em Cuba. Mas as agências de turismo contornavam a situação, inclusive na obtenção do visto de entrada. Comprei a passagem de ida e volta ao México, recebi um vale referente à passagem México/Havana/México, que seria trocado pela passagem aérea propriamente dita no aeroporto da cidade do México.
E assim em dezembro eu embarcava rumo ao México e Cuba.
Ainda não amanhecera quando o avião pousou na capital mexicana. Imediatamente me dirigi ao balcão da empresa aérea cubana. A troca do minúsculo papel, carimbado e rubricado em São Paulo, pelo bilhete de ida e volta a Havana, funcionou rápido e sem problemas. E novamente embarcava em avião, desta vez com destino à capital cubana.
A fiscalização da entrada em Havana, incluindo a verificação do visto e passaporte, foi rigorosa sem ser desrespeitosa.
O furgão local esperava outros brasileiros e eu na saída do aeroporto. Seguimos pelas avenidas de Havana, muitas delas com cartazes enaltecendo o país e o povo cubano. Fomos deixados no hotel, antigo reduto de luxo dos criminosos ricaços dos Estados Unidos, nos tempos anteriores à revolução, quando Cuba não passava de prostíbulo e quintal do regime estadunidense.
Visita com calma do centro da cidade, a Havana Velha, onde abundava a arquitetura barroca espanhola, com palácios, museus, fortes, jardins internos, monumentos históricos, becos. Segundo a guia cubana, simpática e comunicativa, 95% da cidade de Havana se ocupavam de favelas antes da revolução. As prioridades sociais do novo governo cubano resolveram muitos problemas crônicos. Mas a habitação em Cuba teria muito que melhorar, restando ainda muitas casas coletivas.

Onze brasileiros, a guia e o motorista do furgão compunham o grupo. Um simpático casal gaúcho, acompanhado dos dois filhos, transformou-se na melhor companhia. Completava o grupo um casal paulista idoso e ricaço, com os filhos adultos e as respectivas namoradas. Causou-me estranheza uma das namoradas se submeter à obrigação fundamentalista de se converter ao judaísmo da família do noivo. A outra namorada, mais consciente e boa companhia para conversas esclarecedoras, se recusara a tamanha humilhação, mantendo a integridade moral e a relação entre ambos.
As incursões ao interior de Cuba percorreram cidades como Cienfuegos, Santa Clara, Trinidad, Taina, Matanzas, Varadero, de onde fizemos incursões à ilha de Cayo Blanco e outras pequenas ilhotas.
Houve visitas a fazendas coletivas, bibliotecas rurais, cinemas ao ar livre, casas de agricultores, onde surgiram conversas livres com os membros da família. Não havia riqueza, nem tampouco pobreza, miséria, indigência. Eles possuíam o necessário para uma vida digna. Mas o que mais impressionava era a consciência política e social das conquistas da revolução. Ainda que apontassem defeitos e críticas, defendiam entusiasticamente o processo revolucionário, sentiam-se responsáveis e atuantes nos rumos a serem tomados. Exerciam plenamente a cidadania e se orgulhavam de viver em país soberano.
A educação e a saúde chamavam atenção pela qualidade, gratuidade e livre acesso a todos. Livrarias ofereciam publicações variadas a preços irrisórios. A música, a dança, alegria, bom humor, simpatia do povo, contagiavam. A língua espanhola facilitava a comunicação e não faltava boa vontade de eles responderem a quaisquer perguntas.
Pequena e aconchegante, a cidadezinha de Trinidad encantava pelo casario barroco, becos e ruas estreitas, história no ar, fazendo lembrar as cidades coloniais brasileiras. Em porta de escola local acompanhamos movimentação de estudantes infantis, uniformizados e prestes a entrar nas salas de aula. Experimentei a típica culinária local, baseada em arroz, feijão, frango ensopado, salada de alface, tomate e cebola. Bebemos suco de laranja e a sobremesa foi goiabada com queijo. Opção mais familiar seria impossível.
Nas imediações de Taina, réplica do que poderia ter sido uma antiga aldeia indígena, cuja população foi totalmente exterminada pelos invasores espanhóis. Ocas, roupas, objetos de caça simbolizavam o dia-a-dia das populações originais de Cuba, representados em figuras de barro em tamanho natural. Lagos de águas azuladas convidavam para banhos refrescantes ao redor, mas o inverno tropical cubano impedia de ir além da contemplação.
Hospedagem em hotel quase em frente à praia de Varadero. Logo na primeira noite, o filho mais velho do casal paulista, o mesmo casal que intimara a nora a se converter ao judaísmo, passou mal com dores insistentes na coluna. Foi atendido imediatamente pelos médicos do posto de saúde local. Sem qualquer despesa. E ainda trocaram o colchão da cama dele.

Aproveitei para perambular pelas areias brancas e finas da praia de Varadero, com o mar do caribe calmo e de águas transparentes, cujos tons das cores evoluíam de azulados a esverdeados. Tomei coquetéis de rum, evitei os turistas alienados, circulei pela vila, conversei bastante com a população local.
O barco partiu rumo às ilhas nas proximidades, com destaque para a de Cayo Blanco, onde desembarcamos e passamos boas horas naquele paraíso do caribe. Entrei varias vezes no mar tranquilo. Nadei e apreciei a natureza. Tentava desviar os olhos das turistas europeias sem a parte de cima do biquíni. Nenhuma se salvava. Rostos e corpos desconjuntados, desproporcionais, disformes, tortos. Ainda bem que as lagostas servidas, ricamente temperadas, me fizeram matar a fome e as boas conversas me fizeram esquecer aquilo.
Na volta a Havana, passagem pela cidade litorânea de Matanzas.
Completara uma semana de viagem pela ilha de Cuba e minha partida para o México estava marcada para a manhã seguinte. Mas me sentia insatisfeito e desejava permanecer mais dias no país. O que vi e aprendi naquela semana não era o bastante. Eu e a família gaúcha nos dirigimos à empresa aérea cubana, adiamos nossas passagens, reservamos mais dias no mesmo hotel e garantimos mais tempo naquele fascinante país. Com todo respeito ao povo mexicano, aquela era a vez de Cuba e dos cubanos.
Os ricaços paulistas se mandaram e levaram com eles o preconceito e o fundamentalismo. Fiquei livre para circular à minha maneira pela cidade de Havana. Eventualmente as explorações com a família gaúcha combinavam e passávamos momentos juntos.
Caminhei muito pelas ruas das partes velha e nova de Havana. Visitei parques e bairros distantes, tomei ônibus urbano, comi em restaurantes populares, parei e conversei com diversos tipos de pessoas. Sentava na murada na beira do mar, diante do malecon, ponto de encontro de todas as idades da capital cubana. Entrei em bares, ouvi a rica e contagiante música cubana. Debati a situação social cubana, brasileira e mundial com os politizados cubanos.
continua...

11 comentários:

  1. Não conheço Cuba, mas depois de ler teu relato, fiquei curiosa em saber de tua opnião. Muito tempo se passou desde quando esteve lá, Ideologias passaram para a História. O que teve de positivo e negativo nesse intervalo de tempo?

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  2. Estruturalmente não houve grandes mudanças por lá nesse longo tempo. Houve o período especial, já superado pelo povo cubano organizado.
    As mudanças são mais sutis, e complexas para exprimir por aqui.
    De qualquer maneira, quero voltar lá em breve.
    Quanto às informações recebidas é preciso filtrar muito, muito mesmo. A grande mídia, brasileira e estrangeira, difama deliberdamente o processo cubano, ignorando sempre o criminoso bloqueio comercial e naval do regime estadunidense.

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  3. Sim, é verdade quanto às informações e aos bloqueios.
    Eu tive 2 colegas cubanos que optaram por morar no Brasil. E foi muito complicado para eles. Liberdade deve existir para todos. Ai de mim se fosse obrigada a trabalhar em determinado lugar contra a minha vontade, seria uma morte.

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  4. O governo cubano tem facilitado a saída daqueles que não pretendem viver na ilha. Melhor para quem sai e para quem fica. A saúde e a educação, gratuitas e de qualidade, permanecerão garantidas a todos os moradores.

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  5. Fornecer as melhores condições para se ter uma boa Saúde, educação de qualidade e tudo o mais que for de direito, incluindo o de ir e vir, o de falar quando se discordar, seria o meu governo perfeito

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  6. A educação e a saúde chamavam atenção pela qualidade, gratuidade e livre acesso a todos...muito bom que o povo cubano usufrua de benefícios sociais, como os que citou. Mas e a liberdade de expressão, o direito de ir e vir como ficam? Mudou alguma coisa nestes 28 anos? Curiosa em saber mais sobre a cultura cubana.
    Continuo em Cuba...Abraços.

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    1. Aqui no Brasil temos o direito de ir e vir. Temos? Quem tem situação financeira favorável tem. Os demais têm o direito de ir e vir da casa para o trabalho e vice-versa, quando estão empregados, e o direito de ir e vir em sua rua ou no máximo em seu bairro.

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    2. Exatamente. No Brasil, sobretudo após 2016, liberdade, direitos, justiça, qualidade de vida, serão cada vez mais restritos à elite mandante.

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    3. Concordo! São as perspectivas resultantes desse golpe.

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  7. Ivete, certamente as condições sociais da maioria da população cubana estão muito acima da maioria dos povos latino-americanos. Como se diz, milhões de crianças morrem de fome todos os dias no mundo, mas nenhuma em Cuba.
    Claro que há problemas também, porém bem diversos daqueles alardeados pelas mídias burguesas pelo Brasil e mundo afora.
    E nunca podemos esquecer o bloqueio criminoso que o regime estadunidense impõe ao povo cubano há décadas.
    O melhor seria passar um bom tempo lá e descobrir, se envolvendo na realidade do país.
    Certamente os cubanos nos receberiam muito bem.
    Preciso voltar a Cuba!
    Abraços!

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