segunda-feira, 12 de maio de 2014

Paraná e Santa Catarina (parte 1/4)

Tirando a visita a Foz do Iguaçu dois anos e tanto antes, bastante tempo correu desde minha última viagem ao sul do Brasil.
Mas eis que ela propôs descer de trem a Serra da Graciosa e relaxar na Ilha do Mel. Aproveitei e incluí no roteiro os altos de Urubici e a Serra do Rio do Rastro.
E no início de janeiro lá fomos pela via aérea até Curitiba, evitando assim a assassina rodovia Regis Bitencourt que liga São Paulo à capital paranaense.
Desembarcamos no aeroporto de Curitiba debaixo de vento e chuva forte.
Pegamos o ônibus Ligeirinho na estação tubo em frente ao saguão principal. Descemos próximos à estação Rodoferroviária também debaixo de chuva. Caminhamos com as bagagens nos protegendo do aguaceiro nas raras marquises da rua Mariano Torres.
Famintos, esvaziamos as bagagens no quarto do hotel e saímos para jantar.
Choveu durante toda a noite. Amanheceu nublado e sem chuvas.
Caminhamos apressados para a estação Rodoferroviária a fim de pegar o trem de descida da Serra da Graciosa que sairia cedinho. A viagem daquele dia, porém, fora cancelada em função das chuvas durante a noite e madrugada.
Tentamos alternativas de ir a Morretes. Os horários de ônibus não ajudavam.
Enrolamos no Mercado Municipal bem em frente à estação na esperança de surgirem ideias para aquele dia cinzento.
Na esquina oposta ao Mercado saía o ônibus turístico percorrendo as principais atrações de Curitiba. Embarcamos no veículo lotado de turistas que também não puderam descer a serra de trem.
 O ônibus turístico percorreu um roteiro de cerca de três horas pelas cercanias ricas e bonitas da capital, apenas e então somente pela fina flor dos bairros curitibanos. Nada da Curitiba da maioria da população carente. Descemos na Ópera de Arame, então fechada para reformas, e no Jardim Botânico, abrangendo parques, áreas para exposições, pequeno zoo e o Palácio de Cristal, cartão postal de Curitiba. No mais, trechos sem grandes interesses da cidade, ruas com mansões e casas de moradores abastados, torres altas de telefonia, mais parques, algumas construções vistosas no centro novo e antigo da capital.
De lá voltamos a pé até o Mercado Municipal, onde almoçamos razoavelmente.
No hotel nos entregamos à preguiça e cochilos eventuais. Comecei a leitura do Expresso do Oriente, de Graham Greene, escolha bem despretensiosa para aquela viagem.
Anoiteceu com céu limpo e estrelado.
Encaramos espera em boteco árabe, cheio, bastante informal e descuidado. O kebab, no entanto, não decepcionou, seja na quantidade, seja na qualidade. Matamos o que estava nos matando.
Na manhã seguinte, andamos com as bagagens até o terminal urbano de Guadalupe para pegar o ônibus até a locadora de automóveis. Nas imediações do terminal, ambiente pesado, hotéis “estritamente familiares”, bêbados urinando nas paredes, pedintes. Normal para aquele tipo de entorno de cidade grande.
Entramos no carro básico, prata obviamente, e pegamos o sentido norte da BR-116, saindo no acesso ao ramal rodoviário da Serra da Graciosa. Paramos no mirante nos altos da Serra do Mar paranaense, de onde se tem vista panorâmica das montanhas, das baixadas e do litoral.
Descendo a serra, percorremos trechos calçados de paralelepípedos, em concreto, raros em asfalto, todos invariavelmente sinuosos, em declive acentuado, entre curvas fechadas, paisagens exuberantes, relevo montanhoso, muito verde, araucárias nas partes altas, manacás-da-serra, pássaros variados.
Subimos a serra pela BR-277 que liga Paranaguá à Curitiba. No planalto acessamos a BR-376 que se tornaria a famigerada BR-101 mais adiante. Felizmente nos livramos daquele trânsito infernal no trevo de Rincão, pegando a rodovia local rumo a Tijucas do Sul. Para nossa alegria, o movimento de veículos se tornou mínimo naquela estrada sinuosa cortando paisagens rurais, com casas de madeira, araucárias, pequenas plantações.
Lanchamos lanche farto e bem preparado em Agudos do Sul. Ignorando o trevo para Piên, cruzamos a divisa entre os estados do Paraná e Santa Catarina.
Nos chamava atenção a localização e o destaque dado aos cemitérios locais. Quase sempre construído nas encostas dos morros, se inclinando para as vias e estradas, se tornava impossível não notá-los ou não tecer-lhes comentários.  
Pouco antes de São Bento do Sul, tudo parou, em ambos os sentidos. Ninguém ia e ninguém vinha. Inicialmente pareciam obras na pista. Depois, algum acidente que interditou as duas faixas. Finalmente nos informaram o motivo real. Moradores de São Bento do Sul e das imediações, cansados das promessas vazias do governo estadual para tapar os buracos da estrada, interromperam o tráfego, bloqueando o fluxo com dois caminhões, um perpendicular ao outro. Só passava pedestre ou ciclista com a bicicleta nas costas. Nem moto conseguia ultrapassar o bloqueio.
Distribuíram panfletos explicativos, deram entrevistas para o jornal local, ligaram o som, fizeram um minicomício. Denunciavam o descaso das autoridades, forneciam informações de como andavam as negociações, enriqueciam o evento com dados técnicos disso e daquilo. Um deles esclareceu que como aquela rodovia estadual mudara de número, a verba para o recapeamento viera para o número antigo e não poderia ser liberado para a rodovia de número novo assim sem mais nem menos.
Em região colonizada por imigrantes europeus, vira e mexe vinha um deles conversar e esclarecer as reivindicações com os ocupantes dos veículos parados na pista. Loiros legítimos, de rostos suados e avermelhados pelo sol, pareciam pimentões brilhantes. E se expressavam em português carregado de um misto de sotaques estrangeiros, de termos regionais, com olhares simplórios de gente do campo. Até que se tornava divertido vê-los e ouvi-los falando, amenizando aquela longa espera sob o sol quente.
A polícia militar catarinense assistia a tudo sem intervir. Crianças loiríssimas passavam de bicicleta e tentavam nos apavorar garantindo que o bloqueio demoraria horas ou talvez dias.
Depois de duas horas e meia, porém, os líderes liberaram o tráfego, ameaçando bloquear a estrada, ali chamada de rodovia dos móveis, caso o governo estadual não atendesse às exigências dos manifestantes.
E seguimos no rumo sul dos interiores altos de Santa Catarina.
Dezenas de puteiros se espalhavam na beira da estrada ou em curtos acessos laterais, conforme as placas indicativas. Assim como os inúmeros do interior do Paraná, os puteiros catarinenses usavam e abusavam de cores vermelhas e escandalosas na parte da frente dos estabelecimentos, como também em imensas fotos onde uma deusa do amor, que só existia na foto, jamais dentro deles, em trajes mínimos, posava com olhares e bocas convidativas. Em alguns casos até tentavam disfarçar o ramo de atividade, mas a tabuleta frontal com palavra Drink´s e a luz vermelha perto da porta de entrada não deixariam dúvidas à maior das carolas.
O relevo acidentado se acentuou radicalmente entre as cidades de Corupá e Jaraguá do Sul, revelando serras estupendas, vales e precipícios, olhos d’água, pequenas cascatas, riachos com corredeiras, verde exuberante guardando hortênsias, flores e aves diversas. Nossos olhos se alternavam entre a pista e a paisagem de tirar o fôlego. Esparsas casinhas de madeira se erguiam nas encostas. Araucárias e espécies da mata atlântica irrompiam no terreno.
Ao entardecer, a descida íngreme da serra, entre sinuosidades agudas, antes de Jaraguá do Sul, mereceu que diminuíssemos a velocidade a fim de melhor apreciar as impressionantes serras, deixando os apressadinhos nos ultrapassarem à vontade.
Mesmo perguntando mais de uma vez e fuçando as péssimas placas catarinenses de orientação, erramos um bocado para encontrar a saída em Jaraguá do Sul para a cidade de Pomerode.
Pretendíamos pernoitar em Pomerode, mas devido às festividades dos imigrantes pomeranos não havia vagas nos hotéis da cidade ou dos arredores. Loiros e loiras vestidas a caráter se movimentavam pelas ruas da cidade aplainada e sem maiores atrativos.
 Pegamos a BR-470. Encontramos o posto de combustíveis conjugado com o centro de conveniências e com o hotel. Nem regateamos o preço salgado da diária. Mesmo assim o loiro delicado que nos atendeu cobrou um valor bem abaixo do inicial. Levamos as bagagens para o quarto amplo, novo, limpo, bem ajeitado.
Descemos ao centro de conveniências para improvisar um lanche em dia de também lanche no almoço.
Acordamos tarde no quarto confortável do hotel de beira de estrada para o café da manhã. A recepção nos forneceu um vale para cada um a ser abatido das despesas no centro de conveniências. Nos entupimos de comer e ainda levamos água mineral para completar o valor.
continua...

3 comentários:

  1. Viajante Sustentável - Cada vez que leio seus relatos viajo junto. Sua descrição é tão minuciosa, rica em detalhes que eu me vejo em cada serra, em cada curva, em cada estradinha...imagino a natureza com todo seu esplendor. Tomara que os habitantes destes locais conservem. Problemas das estradas brasileiras, não afetam nossos governantes, eles usam o transporte aéreo. Por que vão se preocupar em consertá-las? O povo que se dane. As tantas Ivetes que trabalham, pagam seus impostos...que aprendam a ter paciência e zelo para encarar os asfaltos esburacados e tantos outros problemas. Porém, fiquei contente por ver que a fome não o matou...rsrsrs. Abraços. Continuo.

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  2. Oi Ivete, obrigado pelos comentários.
    Até eu, depois de um tempo, gosto de ler esses relatos. Como você bem ressaltou, eu também viajo junto, e novamente. Talvez porque eu escreva espontaneamente a respeito do que vejo e sinto. É mais natural e acaba por se tornar mais sincero.
    Obrigado mais uma vez e comente sempre!

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  3. Olá!
    Obrigado pela visita e pelos comentários.
    Eu anoto as impressões durante a própria viagem, no calor do que vejo e sinto.
    Publicados neste blog você encontrará relatos para todos os gostos e destinos. Explore à vontade.
    E comente sempre!

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