No pé da serra atingimos uma sequência de cidades feias e
mal cuidadas, invariavelmente construídas ao longo das rodovias vicinais, Lauro
Muller, Orleans, Braço do Norte, Rio Fortuna. Mas nada como evitar o tormento
rodoviário da infernal BR-101.
Alcançamos a charmosa Santa Rosa de Lima, pequena,
ajeitada, simpática. Era hora do almoço e encostamos ao lado de padaria
convidativa. Mas fomos vítimas de situação similar às piadas antológicas da Rádio Difusora de Camanducaia exibidas
durante o saudoso Show de Rádio, transmitido
após as partidas de futebol. A padaria, que vende alimentos, lanches e afins,
estava fechada para almoço!
Percorremos o intervalo entre Santa Rosa de Lima e
Anitápolis em estrada de chão. Os raros veículos em sentido contrário nos forçavam
a aproximar do barranco. Apaixonado por estradas de terra, eu não tinha do
que reclamar. A paisagem ao redor só gerou alegrias.
Anitápolis chegou, e com ela o asfalto. Em Rancho Queimado
nos contentamos com salgados e doces caseiros da padaria. Evitamos a pesada BR-282
e seguimos no rumo norte, até a cidade de Angelina.
Mais puteiros explícitos na beira da estrada, de aspectos
óbvios, nas frentes, na iluminação, nos nomes, nas fotos para atraírem clientes.
Paranaenses e catarinenses pareciam mais afeitos a esse ramo de atividade que
os colegas de outros interiores brasileiros. E irrompiam mais cemitérios com
mania de aparecer, bastante chamativos nas encostas.
Novamente estrada de chão entre as cidades de Angelina e
Major Gercino. Depois, asfalto até a cidade de São João Batista, em cuja rotatória
as confusas sinalizações catarinenses me fizeram errar o acesso a Brusque e cair
no inferno rodoviário da BR-101. Demos adeus às estradinhas vicinais, ao
pequeno movimento de veículos, ao bucolismo rural, às casinhas de madeira perto
de araucárias, hortas familiares, mata atlântica primária. E haja caminhões,
carretas, veículos em geral, ultrapassando uns aos outros.
Assustavam de tão feias as cidades pelos quais passávamos.
Inúmeros carros com placas da Argentina e do Paraguai viravam à direita e
desapareciam nas infindáveis barreiras de altos edifícios na beira do mar. Como
pioraram com o tempo os balneários do litoral norte de Santa Catarina!
Da BR-101 até propriamente a cidade de São Francisco do
Sul, enfrentamos interminável fila indiana de veículos. Anoitecia. Optamos por
hospedagem no centro histórico, não sem antes pechincharmos até o limite.
A chuva caiu com tudo no começo da noite. Arriscamos o
restaurante do próprio hotel, completamente vazio. Os preços de tudo eram
estratosféricos. Demos o fora.
Corremos até o restaurante na beira da água do canal,
cujas obras internas estavam inacabadas, restando material de construção perto
das mesas. Os garçons exibiam semblantes cansados e desencorajadores. O prato veio
bem servido, mas o sabor desanimaria o mais famintos dos flagelados.
Servido no amplo e triste salão, o café da manhã do hotel valeu
somente pelos iogurtes e cereais. Os uniformes das funcionárias, feios, velhos,
puídos, lembrando os de reformatórios, ajudaram a tirar o apetite.
E lá fomos para as praias da ilha, distantes do centro da
cidade. Começamos pela praia da Enseada, sem graça, lotada, familiar, voltada
para o continente, de ondas fracas. Seguimos à Prainha, de mar aberto, com
ondas fortes, cercada de pedras em ambas as extremidades, também cheia de
turistas. Mais adiante, praticamente vazia, a extensa Praia Grande, a perder de
vista, de mar bravo, areias limpas e desertas. Atrás, as dunas do Parque
Estadual Acaraí.
Após rápidos mergulhos, voltamos à urbanizada praia da
Enseada para nos hidratar e forrar o bucho. Carros com placas do interior do
Paraná e Santa Catarina, e obviamente da Argentina, abundavam nas transversais
e paralelas à praia. Loiros e ruivos predominavam nos rostos.
No bar e restaurante instalado na própria avenida da praia,
as caipirinhas vieram saborosas, bem temperadas, na base de cachaça branca,
como deve ser. O abadejo, ou congro, grelhado e acompanhado de arroz, fritas e
salada, chegou farto e com boa aparência, elogiadíssimo pelo garçom e pelo dono.
Mas, porém, contudo, todavia, como parecia ser regra nos restaurantes em Santa
Catarina, nada tinha gosto de nada. Alho, cebola, temperos em geral, ou mesmo
sal, passaram longe do peixe e do arroz. A salada temperada por nós e as fritas
acrescidas do sal se tornaram iguarias se comparadas ao peixe insípido.
Perambulamos pelo centro histórico de São Francisco do Sul.
Mercado Municipal antigo transformado em área de lazer. Construções da passagem
dos séculos XIX para o XX. Vista dos trapiches projetados sobre as águas, a
linha do casario antigo erguido na rua frontal, dourado pela luz do entardecer,
desenhava imagem digna de registros caprichados.
Antes do anoitecer as nuvens baixas e ameaçadoras cobriram
tudo e a chuva caiu com força.
Pela manhã, depois de horas pela BR-101, devolvemos o
carro na locadora em Curitiba.
Almoçamos bem e bastante no Mercado Municipal, regado a
espumante paranaense para nos refrescarmos do calor curitibano.
E na manhã seguinte finalmente conseguimos descer a Serra
da Graciosa na tão famosa, cantada em verso e prosa, viagem de trem. A empresa
privada monopolizava o passeio turístico, utilizando a ferrovia da empresa que
abocanhou trechos da estatal privatizada a preço de banana durante o regime neoliberal
de Fernando Henrique Cardoso.
As três horas e meia de viagem de Curitiba a Morretes eram
realizadas em três classes diferentes de vagões e serviços. Em cada vagão uma
guia descrevia a paisagem, a história da ferrovia, dava as explicações
necessárias, inclusive apontando, como professora infantil, as cenas e os
momentos a serem fotografados.
Entre as falas da guia, uma vendedora oficial oferecia
inutilidades da empresa privada ao estilo de camelôs de esquina. A maioria ignorava
a tagarela inoportuna e virava o rosto.
Apesar de contar com imagens bastante familiares para os
moradores do sudeste brasileiro, a natureza da serra do mar paranaense
encantou. As montanhas do maciço do Marumbi, os túneis, cascatas, pontes,
precipícios, mata atlântica preservada e colorida de manacás-da-serra,
bromélias, araucárias, construções antigas, abandonadas e parcialmente cobertas
pela mata.
Ao desembarcarmos em Morretes, praticamente ao nível do
mar, a cidade torrava sob o sob do meio do dia. Mas enchia os olhos e a mente
pelo bucolismo da arquitetura da virada dos séculos XIX e XX em ambas as
margens do rio Nhundiaquara.
E caímos de cabeça no Barreado,
o saboroso prato típico da região. Duas caipirinhas bem temperadas com a
cachaça artesanal alambicada em Morretes arrombaram o apetite já aberto. A
carne desfeita e cozida por horas, soltando molho enriquecedor, a farinha de
mandioca posta no prato para ligar e engrossar, o arroz branco, a banana
cortada em fatias na hora, compuseram a delícia.
A preguiça preencheu parte da tarde sob as sombras das
pracinhas de frente para o rio.
Voltamos de ônibus de linha até a estação rodoferroviária
da capital paranaense.
Na manhã seguinte embarcamos de ônibus para o balneário de
Pontal do Sul em cujo ponto final nós alcançamos o porto de embarque para a
Ilha do Mel.
Desembarcamos na praia de Encantadas, em ilha sem nenhum
tipo de veículo motorizado, para alegria de quem ama a natureza e a tranquilidade.
Escolhemos para o almoço o bar e restaurante nas areias da
praia. Apesar da caipirinha e da batida de maracujá não virem estupendas, comemos
bem o comercial de peixe e camarão acompanhado de arroz, feijão preto, fritas e
salada. O ambiente descontraído e levemente bagunçado garantiu o bem-vindo
relaxamento físico e mental.
Andamos no rumo da Gruta de Encantadas e da praia do Mar
de Fora, ambas de frente ao mar aberto com ondas fortes e águas esverdeadas. Margeei
alagadiços habitados por gaviões corpulentos. Subi o morro e avistei a
belíssima praia do Miguel, a praia Grande, o farol das Conchas, desenhando
cenário colorido sob o céu azul e o intenso sol da tarde. Me banhei na praia do
Mar de Fora, de águas límpidas e violentas, formando ondas irregulares e
traiçoeiras.
continua...
Viajante sustentável toda vez que leio seus relatos fico impressionada com sua capacidade de repassar tudo o que viu e sentiu no percurso de suas viagens. Como você, as estradinhas de chão, a paisagem, o bucolismo rural, praias desertas, a imensidão do mar...me atraem. Lendo, percebo como a Região Sul é rica em atrativos naturais, aliás como todos os lugares distantes dos grandes centros. Ler você é uma saudável aventura. Continuo, só na carona virtual. Um baita abraço. Até.
ResponderExcluirE você não imagina como gosto dê ler seus comentários. Assim continuarei relatando cada vez mais e sempre refletindo o que vejo e sinto. Viajar, relatar e publicar para vocês são fontes de inspiração para mim. Comente sempre, amiga Ivete.... Abraços!
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