Quando ele começava a contar casos, dos quais não nos importávamos com a suposta veracidade, todos se calavam e prestavam atenção, certos de que gargalhadas não faltariam. Mesmo descritas repetidas vezes, as estórias eram garantias de riso certo.
Comumente vinha acompanhado do sócio, alcoólatra contumaz, também engraçado e animado.
Ambos participaram de concorrência de serviços de sondagem em outra região da Bahia, bastante disputada por empresas maiores e mais tradicionais. Indiferentes à impossibilidade de vencerem a oferta das demais, os dois compareceram ao refinado coquetel realizado em Salvador, munidos dos devidos crachás. Entre os comes e, principalmente, para eles, os bebes, circulavam pelo amplo recinto na espera dos resultados da concorrência. Um concorrente de peso cruzou o caminho, leu o nome da empresa deles no crachá, de quem jamais ouvira referências, e perguntou onde ficava e atuava a empresa. Não satisfeito com as vagas respostas de ambos, o interlocutor queria saber quantas sondas a empresa possuía. Para lá de embriagado, nosso antigo funcionário respondeu: ”Bem, parada, temos uma”. No que o curioso insistiu: “E funcionando?”. Na bucha, sem titubear, esclareceu: “No momento, nenhuma!”.
O diretor de pesquisa da empresa, a quem os capachos tratavam de Doutor, nos visitava duas a três vezes ao ano. De saúde precária, sofria de caroços pelo corpo, roncava feito trator na subida com afogador entupido, e padecia pelas manhãs quando tentava evacuar. No quarto ao lado do banheiro coletivo, eu acompanhava tudo assim que acordava para o novo dia. Ouvia-o ofegante, forçando a saída do barro, sem sucesso. Entre as frustradas tentativas de esvaziar o intestino, inspirava e expirava profundamente, ruidosamente, de boca aberta, parecendo sentir falta de ar. E transmitia a tortura que passava sobre o vaso sanitário para plateia dos outros quartos, que, sem forro no teto, não tinha outra escolha a não ser escutar aquela cena patética. Mas ninguém ousava comentar nada. Afinal, o tal doutor trazia as diretrizes da empresa, as boas e más noticias que nos comandariam daí em diante.
Certa vez aterrissou por ali geólogo canadense, pesquisador universitário especialista em rochas ultrabásicas, tão procuradas na região por hospedarem as concentrações de minério de cromo. O gringo vinha acompanhado de outro geólogo brasileiro, antigo funcionário da empresa, na época mestrando pela universidade federal da Bahia sobre a primeira mina a lavrar o minério de cromo na região. Gentilmente o pós-graduando abriu a porta do quarto onde o canadense dormiria. Deu-lhe passagem e, ajudado pelo sinal da mão, bradou orgulhoso em inglês: “Between!”. Impassível, o estrangeiro entrou.
Aproveitei para conversar com gringo, demonstrando meu interesse pelas concentrações minerais em rochas ultrabásicas. Trocamos diversas informações, anotei referências bibliográficas, aprendi. Percebendo minha empolgação e condições de me aprofundar no assunto, ele me passou endereços de contato, dele e da universidade canadense, me aconselhando a escrever e formalizar minhas intenções de ingressar no departamento de pesquisa coordenado por ele. Foi o que fiz anos depois, quando já não atuava naquela empresa baiana. Cheguei a trocar correspondências, preencher formulários de inscrição, avançar no processo da pós-graduação, me empolgando com a possibilidade. Mas não passou disso. Meu interesse não se manteve por muito tempo. Enfiei a papelada no fundo da gaveta e abandonei definitivamente a ideia.
A FAUNA E A FLORA
Vivíamos os dias da semana no meio da caatinga e a
fauna local comumente vinha nos visitar. Não faltavam cobras, escorpiões,
aranhas, sapos, rãs. Por bem ou por mal, todos ali precisavam conviver com
isso. O auge da estação, mas longe de ser a única, de cobras e aranhas, era nos
meses de abril, maio e junho. Os doces bichinhos circulavam impunemente pelo
terreno, subiam em árvores, entravam pelas portas abertas. Não precisávamos
entrar em pânico, apenas manter os olhos abertos, proceder uns cuidados
especiais, ter atenção onde pisávamos e encostávamos.
Quando sentava do lado de fora para ler, eu avistava vez ou outra as temidas jararacuçus perambulando, além de procissões de aranhas caranguejeiras, nas respectivas rotinas diárias. O desenhista e o técnico de mineração se divertiam em jogar álcool nas aranhas e em seguida lançar fósforos acesos sobre elas, as quais torravam em chamas e sumiam em poucos segundos.
Certa feita, após o jantar, eu saía da copa quando percebi a cabeça da cobra coral encostada ao bico do meu chinelo de dedo, no exato momento que eu parara para observar o céu estrelado. Afastei suavemente o pé, contornei e continuei meu caminho, enquanto a dita cuja rastejava, lentamente, na direção oposta. Com veneno de efeito mortalmente rápido, mas de comportamento calmo e manso, raramente ocasionando acidentes, aquele ofídio listrado não fugiu à regra e me isentou das consequências.
Eu providenciara o recebimento, diretamente do Instituto Butantã de São Paulo, de soro antiofídico, da variedade polivalente, o qual, ao contrário da opinião de muitos, continha somente funções anticrotálicas (cascavéis) e antibotrópicas (jararacas). O soro antielapídico, específico contra picadas de cobra coral, não se encontrava com facilidade e o Instituto não liberou.
Em outra noite, eu lia na cama do meu quarto, quando levantei os olhos e notei algo móvel entre as telhas, de formato alongado, cilíndrico, se balançando, pendurado abaixo das telhas. Deixei o livro de lado, me levantei, apurei o olhar e não tive dúvidas. A onipresente jararacuçu queria porque queria entrar no meu quarto. A distinta escalara a umburana do quintal, seguira pelos galhos da árvore que avançavam sobre o telhado e resolvera arriscar os interiores. Deixei o quarto, fechei a porta e convoquei os colegas que jogavam dominó no outro alojamento. O desenhista prontamente se municiou de espingarda cartucheira calibre 12, canos duplos para lá de gordos. Carregou-a e lá fomos nós. Ele entrou no quarto, confirmou a visita indesejada pelas telhas, mirou a arma e disparou. Não sei o que foi mais escandaloso, o estrondo absurdo do tiro ou o rombo de mais de vinte centímetros de diâmetro que se abriu no telhado. Restos mortais dilacerados e queimados da pobre jararacuçu se espalhavam pelo chão, pelo menos do pouco que restou dela. O atirador gargalhou pelo serviço completo antes de, junto aos demais assistentes, retornar satisfeito ao dominó. Recolhi mais ou menos o lixo deixado pelo massacre, joguei no latão de lixo do lado de fora do quarto e tentei voltar às minhas atividades normais. O zelador do alojamento reporia as telhas no dia seguinte.
Meu quarto ficava ao lado do banheiro coletivo, separado pela parede, sem forro. Minha cama praticamente se encostava à parede comum. O banheiro vivia cheio de pequenas rãs que se deliciavam com a umidade constante. Eu as espantava quando precisava usá-lo, sob o risco de sustos dentro do vaso sanitário, durante o banho e assim por diante. Apenas mudavam de lugar, sem jamais abandonar o local. Vez ou outra eu assistia aos voos certeiros delas, ao abocanharem, no ar, moscas ou mosquitos.
E não é que uma delas resolveu aprontar para cima de mim?
Era tarde da noite, não muito depois do incidente com a jararacuçu no telhado. Eu dormia profundamente. A rã subiu a parede do banheiro comum ao meu quarto, atingiu o patamar que separava os dois cômodos. Não contente com a proeza, arriscou passos pela fina camada de parede. Excessivamente confiante, ela não percebeu que perdera o pé e despencou lá de cima. Justamente em cima de mim, mais precisamente sobre minha testa. Acordei apavorado com aquela coisa fria, úmida e escorregadia. Instintivamente espantei com tapa e a coisa, que até então não sabia do que se tratava, voou pelo golpe para o canto do quarto. O breu dominava o ambiente, o gerador da eletricidade estava desligado há horas. Em pânico, sempre lembrando a jararacuçu da outra noite, procurei de maneira atabalhoada as velas deixadas estrategicamente sobre o criado-mudo e a caixa de fósforos. Depois de várias tentativas infrutíferas, pela escuridão e pelo tremor das mãos, consegui, finalmente, acender a vela. O quarto se iluminou, olhei para todos os lados e avistei, na parede oposta à cama, exatamente na direção para a qual saíra o tapa, a responsável por tudo. A desgraçada da rã, e coitada também, se encolhia contra a parede, tão ou mais assustada que eu. E, assim como eu, ainda sem saber a razão dos recentes acontecimentos. Após verificar se o lado de fora do quarto estava livre de novas surpresas, abri a porta e enxotei aquele animalzinho. Voltei a fechar a porta, apaguei a vela, deitei na cama e tentei adormecer.
Numa manhã, após vestir as meias, peguei as botas e, antes de calçá-las, as bati contra o chão e as chacoalhei, de acordo com normas informais de segurança. Reparei em algo acastanhado saído da bota. Era pequeno e se movia ao redor dos meus pés. Os fortes óculos de míope ainda descansavam no criado-mudo. Eu via apenas manchas, imagens fora de foco. Não tive dúvidas e esmaguei com o calcanhar, ainda só de meia, o ser vivo que eu julgava se tratar de barata ou afim. Calcei as botas, me levantei e coloquei os óculos, pronto para deixar o quarto rumo ao café da manhã. Não desejava a invasão de formigas pelo quarto, então achei melhor, antes, expulsar o bicho pisado. Olhei melhor o cadáver, agora nítido pelos óculos. Não era barata ou inseto parecido, mas legítimo escorpião, daqueles castanhos, que impõem respeito. Por segundos, ou milímetros, o animal não me picara. E as meias, pouco ou nada me protegeriam.
Até então eu não descobrira o motivo do escorpião ter entrado no quarto.
Chegavam minhas primeiras férias, depois de mais de um ano e meio de nordeste. Desejava aproveitar a oportunidade e levar, entre tantas coisas, amostras de minerais e rochas recolhidas em meses de explorações pela região. Guardava-as amontoadas no canto do meu quarto, juntando uma pilha de quase trinta centímetros de altura, encostadas na parede. Preparava-me para retirá-las com as mãos quando hesitei e decidi usar o cabo de vassoura para espalhá-las pelo chão. Foi minha salvação. Atrás dos minerais e das rochas, bem no cantinho da parede, vivia nem um nem dois, mas uma família de escorpiões. Lá estavam os pais, maiores, os filhos, menores, somando oito membros. Eles correram assustados para os lados e eu, prontamente, os esmaguei com a bota e a vassoura. Não me esqueci de nenhum dos oito. Não queria mais surpresas à noite. Não descobri o grau de parentesco entre o escorpião que eu esmagara com o calcanhar no mês anterior e aqueles oito representantes unidos em família.
Mas o ecossistema da caatinga no sertão nordeste da Bahia não vivia apenas de animais peçonhentos. A beleza natural, com a qual me acostumei gradualmente para poder admirar, guardava vegetação fascinante, topografia aplainada cortada por serrotes pedregosos, rios e riachos com água corrente apenas nas épocas chuvosas, casebres de taipa esparsos, povo acolhedor e simpático, roças pequenas para subsistência de mandioca e feijão, plantações maiores e comerciais de sisal, criações de bodes e cabras.
A aparente ausência de vida da vegetação rala revelava fauna exuberante de lagartos, emas, veados, tatus, pacas, cotias, jaguatiricas, diversas variedades de pássaros que proporcionavam verdadeira sinfonia diária de cantos agudos e graves. Resistentes à seca, os bodes e as cabras chegavam a emagrecer e a se adoentarem nas chuvas, quando se abrigavam amontoados sob os alpendres das casas. Na longa estação seca, por outro lado, circulavam gordos e felizes a comer o que viam pela frente.
Eu me deliciava com o umbu, fruta ácida e suculenta do umbuzeiro, árvore que ao lado do juazeiro, tornavam-se as únicas esverdeadas durante a estiagem. Nessa época tudo se ressecava e adquiria coloração cinzenta e acastanhada. Mas bastava garoar, ou serenar como se dizia ali, para brotarem extensos tapetes de minúsculas flores coloridas no chão, minutos antes árido e incolor.
continua...
Quando sentava do lado de fora para ler, eu avistava vez ou outra as temidas jararacuçus perambulando, além de procissões de aranhas caranguejeiras, nas respectivas rotinas diárias. O desenhista e o técnico de mineração se divertiam em jogar álcool nas aranhas e em seguida lançar fósforos acesos sobre elas, as quais torravam em chamas e sumiam em poucos segundos.
Certa feita, após o jantar, eu saía da copa quando percebi a cabeça da cobra coral encostada ao bico do meu chinelo de dedo, no exato momento que eu parara para observar o céu estrelado. Afastei suavemente o pé, contornei e continuei meu caminho, enquanto a dita cuja rastejava, lentamente, na direção oposta. Com veneno de efeito mortalmente rápido, mas de comportamento calmo e manso, raramente ocasionando acidentes, aquele ofídio listrado não fugiu à regra e me isentou das consequências.
Eu providenciara o recebimento, diretamente do Instituto Butantã de São Paulo, de soro antiofídico, da variedade polivalente, o qual, ao contrário da opinião de muitos, continha somente funções anticrotálicas (cascavéis) e antibotrópicas (jararacas). O soro antielapídico, específico contra picadas de cobra coral, não se encontrava com facilidade e o Instituto não liberou.
Em outra noite, eu lia na cama do meu quarto, quando levantei os olhos e notei algo móvel entre as telhas, de formato alongado, cilíndrico, se balançando, pendurado abaixo das telhas. Deixei o livro de lado, me levantei, apurei o olhar e não tive dúvidas. A onipresente jararacuçu queria porque queria entrar no meu quarto. A distinta escalara a umburana do quintal, seguira pelos galhos da árvore que avançavam sobre o telhado e resolvera arriscar os interiores. Deixei o quarto, fechei a porta e convoquei os colegas que jogavam dominó no outro alojamento. O desenhista prontamente se municiou de espingarda cartucheira calibre 12, canos duplos para lá de gordos. Carregou-a e lá fomos nós. Ele entrou no quarto, confirmou a visita indesejada pelas telhas, mirou a arma e disparou. Não sei o que foi mais escandaloso, o estrondo absurdo do tiro ou o rombo de mais de vinte centímetros de diâmetro que se abriu no telhado. Restos mortais dilacerados e queimados da pobre jararacuçu se espalhavam pelo chão, pelo menos do pouco que restou dela. O atirador gargalhou pelo serviço completo antes de, junto aos demais assistentes, retornar satisfeito ao dominó. Recolhi mais ou menos o lixo deixado pelo massacre, joguei no latão de lixo do lado de fora do quarto e tentei voltar às minhas atividades normais. O zelador do alojamento reporia as telhas no dia seguinte.
Meu quarto ficava ao lado do banheiro coletivo, separado pela parede, sem forro. Minha cama praticamente se encostava à parede comum. O banheiro vivia cheio de pequenas rãs que se deliciavam com a umidade constante. Eu as espantava quando precisava usá-lo, sob o risco de sustos dentro do vaso sanitário, durante o banho e assim por diante. Apenas mudavam de lugar, sem jamais abandonar o local. Vez ou outra eu assistia aos voos certeiros delas, ao abocanharem, no ar, moscas ou mosquitos.
E não é que uma delas resolveu aprontar para cima de mim?
Era tarde da noite, não muito depois do incidente com a jararacuçu no telhado. Eu dormia profundamente. A rã subiu a parede do banheiro comum ao meu quarto, atingiu o patamar que separava os dois cômodos. Não contente com a proeza, arriscou passos pela fina camada de parede. Excessivamente confiante, ela não percebeu que perdera o pé e despencou lá de cima. Justamente em cima de mim, mais precisamente sobre minha testa. Acordei apavorado com aquela coisa fria, úmida e escorregadia. Instintivamente espantei com tapa e a coisa, que até então não sabia do que se tratava, voou pelo golpe para o canto do quarto. O breu dominava o ambiente, o gerador da eletricidade estava desligado há horas. Em pânico, sempre lembrando a jararacuçu da outra noite, procurei de maneira atabalhoada as velas deixadas estrategicamente sobre o criado-mudo e a caixa de fósforos. Depois de várias tentativas infrutíferas, pela escuridão e pelo tremor das mãos, consegui, finalmente, acender a vela. O quarto se iluminou, olhei para todos os lados e avistei, na parede oposta à cama, exatamente na direção para a qual saíra o tapa, a responsável por tudo. A desgraçada da rã, e coitada também, se encolhia contra a parede, tão ou mais assustada que eu. E, assim como eu, ainda sem saber a razão dos recentes acontecimentos. Após verificar se o lado de fora do quarto estava livre de novas surpresas, abri a porta e enxotei aquele animalzinho. Voltei a fechar a porta, apaguei a vela, deitei na cama e tentei adormecer.
Numa manhã, após vestir as meias, peguei as botas e, antes de calçá-las, as bati contra o chão e as chacoalhei, de acordo com normas informais de segurança. Reparei em algo acastanhado saído da bota. Era pequeno e se movia ao redor dos meus pés. Os fortes óculos de míope ainda descansavam no criado-mudo. Eu via apenas manchas, imagens fora de foco. Não tive dúvidas e esmaguei com o calcanhar, ainda só de meia, o ser vivo que eu julgava se tratar de barata ou afim. Calcei as botas, me levantei e coloquei os óculos, pronto para deixar o quarto rumo ao café da manhã. Não desejava a invasão de formigas pelo quarto, então achei melhor, antes, expulsar o bicho pisado. Olhei melhor o cadáver, agora nítido pelos óculos. Não era barata ou inseto parecido, mas legítimo escorpião, daqueles castanhos, que impõem respeito. Por segundos, ou milímetros, o animal não me picara. E as meias, pouco ou nada me protegeriam.
Até então eu não descobrira o motivo do escorpião ter entrado no quarto.
Chegavam minhas primeiras férias, depois de mais de um ano e meio de nordeste. Desejava aproveitar a oportunidade e levar, entre tantas coisas, amostras de minerais e rochas recolhidas em meses de explorações pela região. Guardava-as amontoadas no canto do meu quarto, juntando uma pilha de quase trinta centímetros de altura, encostadas na parede. Preparava-me para retirá-las com as mãos quando hesitei e decidi usar o cabo de vassoura para espalhá-las pelo chão. Foi minha salvação. Atrás dos minerais e das rochas, bem no cantinho da parede, vivia nem um nem dois, mas uma família de escorpiões. Lá estavam os pais, maiores, os filhos, menores, somando oito membros. Eles correram assustados para os lados e eu, prontamente, os esmaguei com a bota e a vassoura. Não me esqueci de nenhum dos oito. Não queria mais surpresas à noite. Não descobri o grau de parentesco entre o escorpião que eu esmagara com o calcanhar no mês anterior e aqueles oito representantes unidos em família.
Mas o ecossistema da caatinga no sertão nordeste da Bahia não vivia apenas de animais peçonhentos. A beleza natural, com a qual me acostumei gradualmente para poder admirar, guardava vegetação fascinante, topografia aplainada cortada por serrotes pedregosos, rios e riachos com água corrente apenas nas épocas chuvosas, casebres de taipa esparsos, povo acolhedor e simpático, roças pequenas para subsistência de mandioca e feijão, plantações maiores e comerciais de sisal, criações de bodes e cabras.
A aparente ausência de vida da vegetação rala revelava fauna exuberante de lagartos, emas, veados, tatus, pacas, cotias, jaguatiricas, diversas variedades de pássaros que proporcionavam verdadeira sinfonia diária de cantos agudos e graves. Resistentes à seca, os bodes e as cabras chegavam a emagrecer e a se adoentarem nas chuvas, quando se abrigavam amontoados sob os alpendres das casas. Na longa estação seca, por outro lado, circulavam gordos e felizes a comer o que viam pela frente.
Eu me deliciava com o umbu, fruta ácida e suculenta do umbuzeiro, árvore que ao lado do juazeiro, tornavam-se as únicas esverdeadas durante a estiagem. Nessa época tudo se ressecava e adquiria coloração cinzenta e acastanhada. Mas bastava garoar, ou serenar como se dizia ali, para brotarem extensos tapetes de minúsculas flores coloridas no chão, minutos antes árido e incolor.
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