domingo, 12 de dezembro de 2010

do Nepal ao Vietnã (parte 5/7)

...continuação
As tailandesas estavam proibidas de frequentar os quartos das pousadas durante a noite. Prevenção hipócrita contra o turismo sexual que se tornou praga na Tailândia. A maioria dos sinais e placas nas ruas estava apenas em tailandês. A fluência na língua inglesa não era comum entre a população. Os tailandeses não se aproximavam para conversar ou mesmo para vender. Eram mais sérios e retraídos que os indianos ou nepaleses.
Passeei pelo mercado de fim de semana na zona norte da cidade. Tailandeses e turistas circulavam pelas barracas. Caminhei sob o sol quente, percorri grandes avenidas, minhocões, vielas, becos estreitos. O aspecto de tudo era moderno e ocidental. Favelas apareciam na margem dos canais fluviais e das ferrovias. Mangas, jacas, melancias eram vendidas nas ruas, cortadas em pedacinhos dentro de sacos plásticos.
A fome bateu. Valia a pena experimentar as comidas tailandesas nas barracas de rua. Quanto mais afastadas de Khao San, mais autênticas. Não havia problemas se os cardápios estavam somente em tailandês. Logo eu decorava os nomes locais. Calculadas para os miúdos tailandeses, as porções pequenas não enchiam a barriga e eu pedia duas para matar a fome. Os principais pratos tinham como base o arroz frito, acompanhado de carnes diversas e legumes, os ensopados de frutos do mar, as frituras de macarrão com legumes e carne. Tudo apimentado na medida certa.
Subi em barco pelo rio Chao Phraia em direção ao centro nervoso da cidade. A região lembrava a avenida Paulista, com vias congestionadas, edifícios altos, executivos apressados, restaurantes com comida rápida ocidental, carrões, lojas chiques.

Não conseguia definir o tipo físico predominante entre os tailandeses. Variavam bastante. Tinha até mulatos e sem olhos amendoados. Os turistas de mais idade, sobretudo oriundos de pacotes, representavam o lado do turismo assumidamente convencional, muitas vezes também sexual.
Passeio sem rumos ao redor de templos budistas e do Grand Palace. Bem distinto dos nepaleses e tibetanos, o complexo expunha torres cobertas de ouro que brilhavam sob a luz do sol. Nos arredores da universidade, próxima das principais atrações da cidade, havia infinidade de ônibus de turismo. Vendedores, nem tão insistentes como na Índia, se aproximavam com conversas sobre vendas, compras, negócios, sociedades, entre outros golpes. Não eram nada simpáticos ou naturais.
Tailandeses e turistas frequentavam os barcos de linha pelo rio. Quando as tailandesas eram bonitas, charmosas, de pele morena, deixavam as turistas loiras ainda mais feias. Não por acaso, estrangeiros acompanhavam putas tailandesas, invariavelmente estereotipadas, vestindo roupas pretas de couro, justas e curtas. Ela morena e com tamanho de bolso, ele loiro e com quase dois metros de altura. A cena patética chamava a atenção de todos. 
O avião decolou de Bancoc rumo ao aeroporto de Yangon, Mianmar. O atendimento na chegada foi simpático e eficiente, apesar da precariedade e simplicidade das instalações. A maioria dos jovens birmaneses vestia sarongues, inclusive o guia que me aguardava no saguão.
Fomos a restaurante dançante e com comidas típicas. Houve apresentação de danças folclóricas birmanesas. Belas mulheres cantavam músicas horríveis, acompanhadas por músicos desafinados. As mulheres, realmente estonteantes, pareciam notar o próprio amadorismo e não escondiam o embaraço no palco. As exibições de mágica beiravam o ridículo e recebiam aplausos frios. Mas a vista dos templos budistas era o brinde especial. Enormes e imponentes cones dourados dos pagodes brilhavam sob a noite estrelada.
Depois do café da manhã, visitei o pagode Shwedagon, o extraordinário templo budista visível de quase toda a cidade. Imenso, cônico, todo dourado, cercado por inúmeros templos menores, dourados, prateados, de madeira, de pedra. A religiosidade era grande e os fiéis lotavam os interiores, rezando, pedindo, agradecendo, trazendo dinheiro, presentes, oferendas.
No lago de Yangon havia festival e corrida de barcos antigos. Circulamos pelas imediações do centro da cidade e ao redor de outro templo de cone dourado. Poucos e velhos veículos ocupavam as ruas largas e arborizadas do centro. Não havia poluição. Nem parecia que a cidade abrigava quatro milhões de habitantes. Nas ruas estreitas abundavam cortiços em prédios de cinco andares com sacada nos apartamentos. O estado de conservação deixava a desejar. Os moradores penduravam roupas e objetos nas sacadas e janelas. Pedintes, sobretudo crianças, imploravam esmolas. Quase não se viam turistas. Então eu virava a atração nas ruas, mercados, praças. Os mais ousados arriscavam saudações curtas.

Os homens usavam camisa social de mangas curtas, sarongue de estampas escuras, chinelos de dedo. Ficavam de cócoras para urinar. Eram mais simpáticos e prestativos que os tailandeses. As mulheres vestiam blusa e sarongues coloridos, normalmente sem estampas. Lembravam as indianas na beleza do rosto e gestos insinuantes. Não deixavam de sorrir quando notadas. Passavam cremes esbranquiçados nas faces, que as protegiam do sol e as deixavam perfumadas.
Andamos pelos mercados e atravessamos o rio Yangon de balsa. Na outra margem apenas barracas de comida, pontos de ônibus, caminhões, trixás para transportar os moradores para vilas mais distantes. Os trixás eram ciclo-riquixás ou riquixás de bicicleta. Levavam dois passageiros, um de costas para outro, ao lado do condutor.
Mianmar era governada com mãos de ferro pelo mesmo militar desde o golpe de Estado em 1989. Mudou o nome do país de Birmânia para Mianmar, em respeito às outras etnias diferentes da birmanesa. Isolou o país do resto do mundo e fechou todas as fronteiras terrestres. A única porta de entrada oficial era a capital, Yangon, somente por avião. O turismo se restringia a menos de um terço da área do país. Entre tantas lendas a respeito do ditador, dizia-se que era muito supersticioso e tinha obsessão pelos números 5 e 9. Daí o kiat, a moeda nacional, possuir notas nos inusitados valores de 9, 15, 45, 90. Excelente ideia para colecionadores. As escolas e a assistência médica eram gratuitas no país. A população pagava apenas os livros e remédios.
Partimos com as bagagens para a estação ferroviária. Sem vagão restaurante no trem noturno, tivemos que comprar bolachas para enganar o estômago. Passava da meia noite quando embarcamos rumo a Mandalay. Confortável e mais lento que os indianos, o trem balançava nas linhas mal conservadas. Não estava lotado e a viagem seguiu tranquila. Ambulantes vendiam comida, frutas, bebidas e doces pelos corredores.
Amanheceu com o trem percorrendo áreas planas. Montanhas se elevavam ao fundo do horizonte. Havia plantações de arroz, girassol, milho. Templos ou pagodes brancos se acumulavam por toda parte. Os vilarejos agrícolas eram pequenos e pobres. As moradias muito simples, com paredes e teto de palha, suspendiam-nas do chão para se protegerem das cobras e enchentes.

Em Mandalay, almoço típico e saboroso que encheu o bucho e levantou o moral.
O parque do Forte e Palácio abundavam de verde, espaço livre, tranquilidade, onde mostraram réplicas do local antes da destruição pelos bombardeios japoneses durante a segunda guerra mundial. Seguimos até o centro da cidade através de avenidas longas, amplas e arborizadas, tudo plano, com centenas de bicicletas pelas ruas. A gostosa confusão se compunha de mercados, feiras, ônibus velhos, trixás.
Vestindo bermudas, em contraste com os sarongues masculinos dos birmaneses, eu me tornei sensação das ruas. Riam de mim, esculachavam, ou apenas se espantavam pela novidade. De traços mais orientais e olhos amendoados, as mulheres sorriam mais que em Yangon, correspondendo abertamente aos olhares, mas somente à distância.
Seguimos de riquixá motorizado, com a carroceria coberta, aos pés da colina de Mandalay. Foram centenas de degraus até o topo da colina, em meio a diversas imagens de Buda. Infinidade de templos na parte alta e baixa. Do alto a visão privilegiada da cidade e arredores. Tempo para contemplar a imensidão e o pôr-do-sol de tonalidades variadas.
Jantar em restaurante de comida simples e saborosa. A maioria das ruas do centro estava sem iluminação pública. Dezenas de barracas espalhadas pelas calçadas, de mesas, bancos, cozinhas singelas, serviam chá e davam toque especial às cenas.
Ao redor de Mandalay, cidadezinhas, antigas capitais que se transformaram em vilarejos pitorescos. Após cruzar a ponte sobre o rio Ayeyarwady, a vila de Sagaing, com a colina ao lado e centenas de templos em cima e nos arredores da montanha. Do alto, vista maravilhosa do rio e vilarejos. Não faltavam as caixas para doações aos templos budistas. Homens, mulheres e pequenos monges pediam dinheiro por toda parte. Parecia que os habitantes trabalhavam e entregavam o dinheiro suado para o comércio da religião. Famílias produziam manualmente potes de barro ou bronze, copos esculpidos de prata, tecidos coloridos para sarongues. Nos atendiam sorridentes, nos ofereciam casa e comida. As moças atacavam com sorrisos insinuantes. Almoçamos comida chinesa, picante e saborosa.
O vilarejo de Amarapura se situava na beira do lago, acolhedor, com casas de bambu e muito verde. Atravessamos o lago pela antiga ponte de madeira até o pitoresco vilarejo de Taungthaman. Não havia eletricidade, apenas cabanas suspensas de bambu cercadas de palmeiras, coqueiros, sombras refrescantes. Os sorridentes e simpáticos moradores teciam artesanato primitivo. Os pagodes brancos não poderiam faltar, inúmeros deles espalhados pela mata. Era delicioso caminhar sob as palmeiras e sorrir para os moradores, que sempre retribuíam. As mulheres, mesmo com o ridículo creme nas bochechas, exibiam muito charme. O guia não passava creme na pele, mas cobria a cabeça e os braços para se proteger do sol. A tez clara era bem-vinda no país, ao contrário da mais escura, provavelmente discriminada.
O local de artesanato em madeira e mármore produzia imagens de Buda. Templos e casas não faltariam para colocá-las. Centenas de imagens de Buda se espalhavam pelo interior dos templos. Desde as minúsculas, com menos de cinco centímetros, até as maiores com mais de trinta metros de altura, geralmente cobertas de outro. Os fiéis se postavam na frente delas, rezando por horas e horas.
As comidas típicas de Mianmar eram galinha, carne de boi, porco ou peixe, mas com o curry separado, para não vir tudo apimentado demais. Também saborosos, a sopa de verduras, espécie de couve ou agrião, os legumes com curry e muito, mas muito mesmo, arroz para acompanhar. Na verdade, o arroz era o principal e os demais itens os acompanhamentos. As sobremesas vinham de doce de tamarindo ou amendoim, frutas da estação.

Exceto a pobre decoração na portaria do hotel, não havia sinais do dia de natal na cidade. Ainda bem.
Fui sozinho à cidade de Bagan, onde dois novos guias me acompanhariam. O caminho até o hotel cruzou extenso sitio arqueológico, com templos e ruínas. A dupla me levou para almoçar em ótimo restaurante.
Bagan era um museu a céu aberto quase a perder de vista. Centenas de pagodes impressionavam pela idade, beleza, imponência, a maioria construída entre os anos 900 e 1200 depois de cristo. Exploramos a área entre inúmeras antiguidades, templos dourados, outros pequenos de madeira ao redor, o com diversas imagens de Buda em arenito, o Ananda, talvez o mais interessante deles, e muitos outros pagodes, mosteiros, ruínas, quase sem pinturas nas paredes e tetos. O terremoto de 1975 e a falta de restaurações comprometiam o estado de conservação da maioria deles. As raras pinturas visíveis mostravam invasores mongóis durante a destruição quase completa da cidade.
Duro de aguentar eram os guias, sobretudo o chefe tagarela. E como falava! Até pedi que fosse mais sucinto. Não teve jeito. Vomitou infinitas estórias de Buda. Discursou um por um os dogmatismos religiosos. Em cada imagem de Buda era meia hora no mínimo de preleções. Repetia, à exaustão, que, segundo o budismo, a vida é um sofrimento, que estamos nessa vida para sofrer. O outro guia era jovem, atrapalhado e inexperiente. Quase não falava.
Mianmar não contava com grande infraestrutura turística e se fechava para o exterior, preservando a pureza cultural, impedindo relações estritamente comerciais com os visitantes. Como em Mandalay, os táxis em Bagan utilizavam charretes puxadas a cavalo.
O pôr-do-sol na margem do rio Ayeyarwady nos presenteou com cores divinamente carregadas. Jantar no mesmo e ótimo restaurante do almoço, com os donos sentados à mesa.
E o sítio arqueológico de Bagan continuava a maravilhar. Diversos e suspeitos buracos no chão apareciam nas redondezas dos templos. O país era tristemente famoso pelas cobras venenosas, figurando entre os primeiros do mundo em acidentes fatais. Os guias batiam os pés antes de entrarmos nos templos para espantá-las. Não vi nenhuma viva, apenas peles ressecadas e rastros recentes. O uso de sandálias, facilitando a retirada para entrar nos templos, aumentava o risco de eventuais acidentes.
continua...

2 comentários:

  1. Tirando as cobras venenosas, aproveitei cada momento lido. A grande religiosidade me leva a acreditar que o correto realmente é crer para ver. O pôr-do-sol com seus vários matizes, a beleza tailandesa em contraste com as estrangeiras, enfim tudo é tão ricamente narrado que fico cada vez mais entusiasmada para ler seu diário de viagem.
    seguindo viagem, não posso me dar o luxo de atraso. Abraços.

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  2. Obrigado pelos comentários, Ivete!
    Puxa, que saudades de Myanmar, das cidades, da história, dos birmaneses de várias etnias, da culinária, da bagunça rsss.
    Até tentei retornar ao país na minha segunda viagem à Ásia, mas os contratempos tailandeses me impediram. Pena...
    Mas sempre me lembro de como me deslumbrei por lá.
    Abraços!

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