Desisti de ir a Breves. Ficaria para outras oportunidades.
Seguiria direto a São Luís e de lá pensaria nos próximos passos.
Embarquei em ônibus lotado, ao lado de família paranaense de
Maringá. Os três viajavam de férias e por conta própria.
O ônibus estacionou na rodoviária de São Luís ao
amanhecer. Fiz cera em conversas com os paranaenses, fornecendo-lhes dicas
sobre a região, antes de seguir ao centro da cidade.
Saí para almoçar e depois cochilei o resto da tarde.
Encontrei com amigos em bar sob as árvores e a iluminação
amarelada que tingia suavemente os casarões barrocos do Projeto Reviver. As
mesas logo se entupiram de gente animada em plena quinta-feira útil de julho.
Acordei cedo com a movimentação do café da manhã,
conversas dos funcionários, ruído dos pratos, xícaras, copos, talheres,
gritaria dos hóspedes enquanto comiam.
Finalmente café da manhã completo, em sistema de bufê. Eu
poderia tomá-lo quando, como e o quanto desejasse. Nada de bandejas de motel!
Foi um sacrifício chegar à loja de passagens da empresa
aérea no bairro da Renascença. De posse das informações obtidas na recepção do
hotel, peguei ônibus que deu a maior volta pelos bairros novos da cidade.
Acontece que, depois da via sacra dentro do ônibus, jamais vi uma avenida com o
nome de Colares Moreira, justamente a do endereço da loja. O ônibus cruzou todo
o bairro da Renascença, atravessou a ponte e retornou ao terminal da Praia
Grande, de onde eu tinha partido. Desembarquei, perguntei novamente sobre
ônibus para aquela avenida e voltei a embarcar em ônibus de outra linha. Redobrei
a atenção quando o ônibus passava pelo bairro da Renascença. Ao achar que poderia
estar perto do local, perguntei ao cobrador onde se localizava a avenida
Colares Moreira. Ele respondeu firmemente “Aqui!”. Ainda confuso, pois não lera
esse nome nas placas, desembarquei. Aquela avenida, porém, chamava-se Luís
Pires Saboia Filho, conforme escrito nas placas. Caminhei pela calçada vazia
até o ponto de táxi. Nova pergunta sobre a avenida Colares Moreira e nova
resposta taxativa: “É esta!”. Mas em todas as placas, eu lia avenida Luís Pires
Saboia Filho. Fingi que entendi. Perguntei então onde ficava a loja daquela
empresa aérea. Ele pensou, pensou, e respondeu que bastava seguir três
quarteirões e encontrar o local. O número procurado era 23. Como poderia ficar
três quadras à frente? Agradeci ao taxista e caminhei. Nada encontrei no
terceiro quarteirão. Entrei em loja qualquer e refiz a pergunta. A balconista
me informou que era meio longe, mas daria para ir a pé. Segui a direção
indicada. No caminho, mais e mais placas com o nome de avenida Luís Pires Saboia
Filho. Nenhuma das espaçadas construções possuía o número na frente. Quinze
minutos de caminhada depois da informação da balconista, encontrei a loja da
empresa aérea. Com o número 23 na porta. Atendimento rápido e eficiente.
Ninguém na fila. Também pudera! Dois dias antes ocorrera o acidente com avião
da empresa no aeroporto de Congonhas em São Paulo. Todos morreram.
Mas como pode o número 23 se situar a mais de dez
quarteirões de ambas as extremidades daquela avenida? E como pode a avenida
Colares Moreira, conforme endereço obtido na lista telefônica e confirmado pela
recepção do hotel, ficar na avenida Luís Pires Saboia Filho? Mistérios
maranhenses que nenhum maranhense conseguiu explicar.
O calor abafado e ardido após o almoço me impediu de
caminhar livremente a fim de auxiliar na digestão. Mais me sentava nas sombras
que propriamente andava. Adiei o passeio às praias para outros dias.
Já à noite, com fome, saí para forrar o bucho em
restaurante simpático instalado em casarão barroco de pé direito bem alto.
E parti para uma festa folclórica com os representantes da
música, dança e rimos do estado, destacando o Bumba-Meu-Boi. O evento corria
nos interiores do Convento das Mercês, centro histórico de São Luís. Reunia
milhares de ludovicences, do interior, turistas, que se contagiavam com os
ritmos e participavam livremente das danças, dentro do palco, ao lado dos
membros dos Bois. Barracas de comes e bebes, roupas, brincadeiras típicas de
festas juninas animavam os que preferiam permanecer no pátio do convento ou nas
ruas ao redor.
Assisti ao Boi da Lua, do chato sotaque de orquestra, ao
comovente e rústico Boi Fé em Deus, do pioneiro sotaque de zabumba, ao Boi da
Pindoba, com número excessivo de integrantes para o pouco espaço disponível, do
contagiante sotaque de matraca. A atração seguinte, o Boi de Morros, do sempre
desagradável sotaque de orquestra, me lembrou de que passava da meia noite. E sotaque
de orquestra, nem sem sono!
Pela manhã, tomei ônibus à praia do Calhau. Desembarquei na
extremidade sul e caminhei até a parte mais ao norte, observando as
perspectivas de onde e como me instalar. Refiz o caminho no sentido contrário
pela areia da praia, bem próximo às primeiras ondas do mar.
Calhau jamais foi praia maravilhosa. Plana, com areia
dura, sem vegetação natural sobre as dunas atrás da avenida. A longa fila de
navios cargueiros no horizonte, prontos para levarem do porto do Itaqui as
matérias primas brasileiras para o exterior a preço de banana, comprometia
ainda mais a paisagem geral. Mas, como compensação, a praia encontrava-se limpa
e quase vazia.
Reencontrei os três paranaenses, com quem passei o dia,
ora na barraca de comes e bebes, ora na água do mar. Conversamos sobre tudo, principalmente
viagens e futuros destinos.
Durante o retorno de ônibus ao centro, ao cruzarmos a
ponte sobre o rio Anil e a baía de São Marcos, me deparei com cena lembrando
uma catástrofe climática. Não havia nem sinal de água abaixo da ponte. E assim
se mantinha até onde a vista alcançava. Apenas lama preta, lixo visível, a
umidade refletida pelo sol. Nada mais. Não é à toa que a baía de São Marcos
ganhou fama pela forte oscilação das marés, podendo atingir doze metros.
Algumas amigas maranhenses não apreciavam o centro
histórico da própria cidade, consideravam aquela “velharia” feia, renegando as
belezas do Maranhão. Enalteciam somente o que a cidade possuía de menos
original e menos fascinante, a parte moderna com vida noturna copiada dos
grandes centros do sudeste do país.
Assisti no Convento das Mercês ao boi da Floresta, sotaque
de matraca, e ao boi de Guimarães, sotaque de zabumba. Este Boi, em determinada
toada, cantou versos que defendiam abertamente a pena de morte no Brasil,
como forma de acabar com a violência. Ofuscou sem necessidade o restante da
própria apresentação.
Acordei inspirado a rever a distante praia de Araçagi,
vinte quilômetros do centro de São Luís, depois de cinco anos. As lembranças me
traziam imagens de casebres simples, outros mais rústicos, dunas, vegetação de
mangue, poucos banhistas, raras barracas de palha invariavelmente vazias e
abandonadas.
Ou minha memória falhou ou a praia decaiu
vertiginosamente. De paisagem semelhante às demais praias da ilha, Araçagi
transformou-se em destino de carros particulares, motos, caminhonetes. Circulavam
impunemente pelas areias por entre dezenas de barracas de comes e bebes, cujas
caixas vomitavam som alto do forró comercial. Carros e caminhonetes formavam
pequenas filas de congestionamento na areia da praia e os mais impacientes
buzinavam impunemente. Os veículos estacionavam em qualquer lugar da areia,
inclusive rente às pessoas que já estavam lá. Vindo do porta-malas deles, mais
lixo descartável em alto volume. Mal se ouvia o som do vento ou das ondas do
mar. Os frequentadores entornavam litros e mais litros de cerveja e
refrigerante. O avançado estado etílico no meio da manhã prometia horrores para
mais tarde, quando eu esperava estar bem longe dali.
Caminhei sem relaxar de uma ponta à outra da praia, antes
de embarcar aliviado em ônibus com destino ao exuberante e mal conservado
centro histórico de São Luís.
Almocei pelo centro, perambulei, descansei sob a sombra,
apreciei o movimento lento e preguiçoso dos pedestres durante o calor da tarde.
Entrei no cinema de arte do Projeto Reviver e revi a deliciosa animação baseada
em quadrinhos do cartunista Angeli. Contemplei o pôr-do-sol no fundo das águas
da baía de São Marcos. Diante de todos esses prazeres, a praia de Araçagi me
vinha como incômodo pesadelo da manhã.
Peguei a lotação na área do mercado central para a cidade
santuário de São José do Ribamar, no nordeste da ilha de São Luís.
Dei volta leve pela beira do mar. Primeiro a leste, sem
praias, mas com ancoradouros, pescadores, barcos, o mar muito azul. Passei sob
a estátua de São José e em seguida pelos bares da orla da praia, do lado oeste
da cidade. Os garçons disputavam clientes na calçada e até na areia da praia. Subi
a escadaria que me levou de volta à praça da Matriz. Caminhei pela calçada com
destino ao restaurante conhecido de viagens anteriores.
Caiu bem, pelo local alto, sombreado e ventilado
naturalmente pela brisa do mar, pela vista privilegiada da praia. Bebi umas e
outras, aguardei o apetite se manifestar e pedi sururu ensopado com arroz e
pirão.
A lotação de volta encheu de passageiros com destino à
festa no vilarejo de Pau Deitado. Roupas mínimas mal cobriam as mulheres
festeiras. Assim que embarcavam, elas perguntavam ao cobrador: “É Pau
Deitado?”. Um velho sentado no meio da lotação imediatamente respondia: “Não senhora,
aqui é pau em pé mesmo”. Elas gargalhavam e rebatiam debochando: “Esse aí nem
levanta mais, coitado”. Dois bancos à minha frente, o casal jovem se agarrava e
se beijava animadamente, antes de ele apagar de tão bêbado no colo dela.
O ônibus matinal para Barreirinhas saiu praticamente vazio
da rodoviária e assim se manteve. Quatro horas de viagem tranquila, em ônibus
novo e bem mais confortável que as lotações, por paisagens nas quais se
destacavam casebres de taipa cobertos de palha, buritizais, extensas áreas
desabitadas e cobertas de arbustos.
Tentei variar de pousada, mas estavam lotadas. Fiquei na
mesma das visitas anteriores. Segui ao restaurante de sempre, agradavelmente
localizado na beira do rio, cuja novidade era a desnecessária música ao vivo. Relaxei
diante da visão bucólica das margens e das águas do rio Preguiças, enquanto
turistas apressados exigiam, sei lá porque, atendimento rápido nos serviços.
Embalei duas caipirinhas antes de cair de cabeça na peixada à moda da casa.
Barreirinhas estava cheia de turistas, embora, durante o
dia, seguisse a calma e a preguiça que apropriadamente cedia o nome ao rio que a
banha. Contemplei deslumbrante entardecer na margem direita do rio, sombreada,
tendo à frente a margem oposta iluminada pela luz do sol. A imagem com
açaizeiros, buritis, arbustos aquáticos, aguapés, encantava os olhos. Permaneci
ali por horas, trocando de lugar apenas para obter diferentes ângulos de visão
ou observar o movimento dos barcos recém-chegados dos passeios fluviais.
A prefeitura urbanizou a pequena orla do rio, ampliando a
área suspensa, com plataforma de madeira e bancos. Sumiram os ambulantes que
vendiam comes e bebes, substituídos por três quiosques de alvenaria. Melhor
para os bares e restaurantes em frente ao calçadão. O visual tornou-se mais
formal e certinho que o de dois anos antes, sem tirar, contudo, o charme da
beira do rio.
À noite muitos se dirigiam à orla do rio Preguiças. Os
maranhenses circulavam, conversavam, namoravam, desfrutavam a vida ao ar livre.
Os turistas se concentravam mais nos bares, restaurantes e lojas.
continua...
Cheguei da aldeia e vim acompanhar a sua viagem! Muito bom o texto. Jã aguardo a continuação!
ResponderExcluirBom dia, tudo bem?
ResponderExcluirObrigado pela visita e pelo comentário.
Acabei de publicar a terceira parte.
Boas leituras.
Abraços!
Bom dia, meu nome é Alessandra!
ResponderExcluirDiferente de outros blogs, você tem passado um outro Brasil de uma forma muito mais aventureira, com roteiros diferenciados mesmo como este. Li algo inusitado também em http://www.viagensonibus.com.br, valendo a pena. beijão!
Oi Alessandra, obrigado pela visita e pelo comentário.
ResponderExcluirDarei sim uma olhada em sua sugestão.
Em meu blog, entre outros temas, procuro colocar reflexões e fotos de minhas viagens pelos interiores do Brasil e de outros países da América, Europa e Ásia, contendo questionamentos e análises sociais e ambientais.
Fique à vontade para pesquisar, ler, comentar, divulgar. Boas leituras!!!